Uma pequena regressão, por favor.... A imagem começa a ficar desfocada e quando torna-se nítida novamente, nos deparamos com uma página colorida de uma revista em quadrinhos da década de 20 do século passado...
Esse não parece ser um início promissor para um artigo sobre cinema, ainda mais sobre A Nova Mitologia Pop, como diz o título, mas já justifico.
A nova mitologia pop são os bons e velhos super heróis que tomaram de assalto as salas de cinema do mundo inteiro, com maior intensidade desde meados dos anos 80 ou fim dos loucos anos 70. Porém, antes disso a vida pregressa dos homens de capas e ceroulas teve, e ainda tem, uma longa trajetória de papel e tinta.
O marco da carreira cinematográfica dos heróis de quadrinhos é o primeiro Batman de Tim Burton ou o Superman de Richard Donner. Não que não tenha havido incursões anteriores, mas essa, demarcada por esses dois filmes, criou uma nova moda que se auto-sustentou até nossos dias. Esse marco inicial é providencial, já que, nesse momento, temos que tomar o Batman Begins de Christopher Nolan como marco final e a comparação será inevitável.
Os elementos culturais atualizados no moderno super herói são os mesmos dos antigos heróis gregos. O sofrimento voluntário, a renúncia, a entrega e enfim, o amor ao próximo. O herói é, desde a antiguidade clássica, definido como alguém que gasta sua vida em feitos em prol de outros menos capazes ou injustiçados ou, em missões que lhe são impostas por forças além do seu controle. Também como os antigos, os heróis modernos são humanos: erram, mentem, enganam a si e aos outros e, talvez esse conteúdo faústico seja o mais saliente desta mitologia para os modernos expectadores e leitores.
Podemos dizer que as histórias em quadrinhos são o lar dos heróis modernos, não só deles, por que há um sem número de gêneros de quadrinhos que vão além do universo dos super heróis. Mas, o super herói moderno é dos quadrinhos por excelência e algumas peculiaridades dessa forma narrativa, com o tempo, tornaram-se indissociáveis do herói e ele delas.
O primeiro herói dos quadrinhos, nos moldes que conhecemos, foi o Tarzan de Edgar Rice Burroughs que foi convertido ao formato quadrinhos, já que é um original romance literário. O primeiro romance do personagem de Burroughs, Tarzan dos Macacos (Tarzan of the Apes), foi publicado em 1914 e contava a fascinante história de John Clayton III, o Lord Greystoke que, em decorrência de um naufrágio, quando ainda era recém-nascido, fica órfão na costa africana, sendo em seguida criado por uma família de gorilas. Os problemas de Tarzan - nome gorila recebido por Greystoke e que significa Pele Branca - iniciam-se quando ele tem contato com europeus, até então ele acreditava ser um gorila, talvez um pouco diferente dos outros, quem sabe só com alguns probleminhas de pele.A obra de Burroughs tem sido alvo de todo o tipo de interpretação ao longo dos anos, havendo aqueles, mais fanáticos, que chegam a procurar e atribuir uma conotação política a Tarzan, dizendo que trata-se de uma metáfora para o poder colonial europeu na África. Particularmente, defendo que os conteúdos ideológicos-políticos são pouco desenvolvidos e quase irrelevantes para o autor, que não se empenha intencionalmente em expressa-los. Pode-se dizer, desse ponto vista, que Burroughs esboça uma crítica à civilização industrial, mas isso também é uma referência indireta que só é exposta frontalmente em desenvolvimentos futuros da obra, quando Tarzan acaba indo à Europa e não se adapta à vida "civilizada". A mais proveitosa leitura de Tarzan tem como elementos principais a aventura e o heroísmo.
Essa fabulosa saga não tardaria a ganhar, em 1929, uma perspectiva visual através dos quadrinhos inaugurando a era dos heróis nesse meio, inicialmente em tiras de jornais diários, as famosas comics - nome que decorre do fato de explorarem principalmente o elemento humorístico, apesar de não ser esse o caso de Tarzan - e depois em revistas próprias desvinculadas das publicações noticiosas.
Entretanto, apesar de ter habilidades notáveis oriundas de sua "educação símea" e de ser um herói com todos os elementos aludidos, Tarzan não é um super homem. Falta ao rei das selvas os poderes extraordinários ou super que nos anos vindouros tornar-se-iam o distintivo de um gênero de quadrinhos.
Apesar disso ou exatamente por isso, Tarzan ganhou uma série de adaptações para o cinema que até antecederam sua adaptação para os quadrinhos. Já em 1917, Elmo Lincoln interpretava na telona o Homem Macaco. Recentemente, são dignas de nota a adaptação de Hugh Hudson, Greystoke - A Lenda de Tarzan, O Rei da Selva, de 1984, com Christopher Lambert no papel título e, a ótima animação dos Estúdios Disney, Tarzan, de 1999, dirigida por Chris Buck e Kevin Lima.
Os super poderes são introduzidos como característica marcante do herói apartir de modelos como o Super Homem que estreia em junho de 1938, na revista Action Comics #1, criado por Jerome (Jerry) Siegel e Joseph (Joe) Shuster para a editora Detective Comics, a DC. O herói é um alienígena cujos os poderes decorrem da interação de seu singular organismo com o meio-ambiente terrestre, ou seja, a energia do sol amarelo da terra é acumulada no corpo do sujeito que funciona como uma bateria solar e abastece suas fantásticas capacidades. Os poderes do Super Homem são realmente extraordinários e incluem invulnerabilidade, força física colossal, vôo e diversos tipos de habilidades visuais como visão de calor e raios-x. Tais poderes representaram em inúmeras ocasiões enormes dificuldades para o realismo das histórias, mesmo nos quadrinhos. Sempre foi muito difícil lidar, por exemplo, com uma criança que tinha super força ou com o fato de ter que encontrar vilões à altura para confrotar o herói. Também há quem faça interpretações políticas para a mitologia do Super Homem dizendo que o herói é sionista, uma vez que seus criadores eram judeus, nos primeiros anos os inimigos mais comuns do herói eram os nazistas, os nomes Kryptonianos, como Kal-El e Jor-El, soam como nomes hebraicos, a trajetória e personalidade do herói é inegavelmente messiânica, etc.
Super Homem e seus congêneres da DC reinaram supremos até a década de 60, quando uma nova geração de criadores como Stan Lee, Jack Kirby e Stive Ditko criam um novo panteão de heróis para a Marvel Comics. O Quarteto Fantástico, Homem Aranha, Incrível Hulk, X-men e outros heróis marvel tinha aventuras nas quais suas habilidades e atos extraordinários eram compensados por aspectos humanos de suas personalidades e vidas cotidianas e até tomados como maldições, uma clara alusão faústica do arquétipo do herói.O sucesso dos heróis marvel que facilmente se identificavam com seus leitores, jovens e adolescentes que acabavam vendo nas "vidas privadas" dos heróis paralelos com suas próprias vidas, levou a DC ao contra-ataque.
A tradicional Detective Comics tratou de humanizar seus personagens e até mesmo simplificou seu panteão que havia desenvolvido todo o tipo de confusão cronológica e lógica que você puder imaginar como decorrência de mais de trinta anos de histórias e da aquisição de personagens de editoras menores que foram incorporadas o que dificultava o ingresso de novos leitores, que acabavam indo para o fascinante novo mundo da Marvel. Assim, em meados dos anos 80, a DC lançou a Crise nas Infinitas Terras, de Marv Wolfman e George Perez e, esse evento que tratou de viabilizar um competidor dígno para a Casa das Idéias.
A permantente dicotomia entre o heroísmo com e sem super poderes talvez tenha sido uma das características norteadoras das escolhas dos produtores cinematográficos, uma vez que os filmes com super heróis só passaram a ser mais abundantes a partir da década de 70. Tal escolha é facilmente justificável quando se colocam as dificuldades técnicas para executar de modo realista o vôo do Super Homem, por exemplo. Há outras dificuldades, digamos de cunho estético, que também contribuiram para isso. Os heróis das histórias em quadrinhos sempre pareceram muito infantis com seus uniformes espalhafatosos, vilões megalomaníacos, identidades e esconderijos secretos e tudo o mais. Houve muita resistência por parte do público adulto em aceitar aventuras quase irreais dos super heróis no cinema.
Há algumas explicações para a recente aceitação que o público adulto vem dedicando aos super heróis no cinema.
Inicialmente, adaptações como o Batman (seriado de tv e filmes da década de 60) estrelado por Adam West, juntaram os compontes irreais dos quadrinhos, como os vilões malucos e a psicodelia própria da época, em uma autocomisseração do herói que substutiu a aventura pelo humor e a autocrítica jocosa. Essa iniciativa suavisou, por assim dizer, algumas das características menos palatáveis do universo HQ, que passaram a ser motivo de riso dos telespectadores. Uma seqüência de adaptações para a tv e também animações inundou o mundo infatil nos anos 70 e 80 e criou uma geração bastante disposta a aceitar as incoerências e incongruências dos super heróis. A esse movimento da audiência, juntou-se o movimento da autoria que nos anos 80 contou com nomes como Alan "Watchmen" Moore e Frank "Dark Knight" Miller, autores que remodelaram o universo dos super heróis, dando uma roupagem adulta ao tema e novamente, como fizeram duas décadas antes os criadores da Marvel, desviando o foco das extraordinárias habilidades desses seres, para concentra-lo no seu lado humano e nos dramas psicológicos da vida cotidiana dos homens que se fantaziam para combater os criminosos. De uma vez, o trabalho desses autores concorreu para dar aos quadrinhos o status de narrativa literária séria e a geração que passara a infância vivenciando as estórias nas revistas começou a querer ver seus ídolos em carne e osso no cinema.

Desde então as produções vêem se sucedendo e o público, cada vez mais adulto e mais sofisticado, alterou o parámetro da crítica.
Uma geração que cresceu lendo as histórias em quadrinhos preocupa-se com o quão fiel é a adaptação cinematográfica ao universo original do personagem e, aí as diferenças entre os dois meios tornam-se evidentes.
Heróis sem ou com poucos super poderes têm se dado melhor com adaptações mais realistas e próximas ao meio quadrinístico, outros contam com a notável evolução dos meios e das técnicas de geração e manipulação digital de imagens para representar suas habilidades de modo realista.
A recente seqüência dos X-men e do Homem Aranha, respetivamente dirigidas por Bryan Singer e Sam Raimi são exemplares no que diz respeito à fidelidade aos conceitos desenvolvidos nos quadrinhos. O já classico Batman passou por várias adaptações, o já citado Batman de Tim Burton, o Batman - O Retorno também de Burton, o Batman - Eternamente de Joel "argh!" Schumacher, cujo visual lembrou a série de tv da década de 60 e o resultado junto ao público também, e o recente Batman Begins de Christopher Nolan, uma clara tentativa de aproximar a identidade do herói nos quadrinhos com sua representação cinematográfica.
Uma vez que a discrepância entre quadrinhos e cinema parece ser o segredo do sucesso ou a chave do fracaço para os recentes filmes de super heróis, cabe algumas observações tomando como exemplos os filmes do Cavaleiro das Trevas.
Em 1989, quando Tim Burton lançou o seu primeiro Batman, o impacto de Batman: O Cavaleiro das Trevas (Batman: The Dark Knight Returns) de Frank Miller, de 1987, ainda fazia sombra à qualquer adaptação do morcegão e a obra do Tim "esquisitão" Burton foi saldada como dígna do impacto punk causado por Miller na vida de Bruce Wayne. Hoje, dezoito anos depois, é certo que essa impressão de afinidade diluiu-se e é possível afirmar que se deveu a uma afinidade estética entre Burton e Miller e não a uma tentativa da primeiro de incorporar na trajetória cinematográfica do herói os traços desenvolvidos por Miller nos quadrinhos.

A maior prova disso é que o Batman Begins de Christopher Nolan também foi saldado como uma fiel adaptação daquelas características imprimidas ao Cavaleiro das Trevas nas histórias em quadrinhos de Miller, (inclui-se nesses admiradores do trabalho de Nolan, o próprio Miller, que deu declarações de aprovação ao filme) mas quem vê o filme mais atentamente e, após a experiência de Burton, pode dizer, com certeza, que no cinema ainda não chegou a vez do Wayne carrancudo, anarquista e solitário.
A começar pelo uniforme que os diretores insistem em modificar em relação a concepção quadrinística, o filme de Nolan, que é um bom filme, comete alguns pecados que são imperdoáveis para os verdadeiros fãs de quadrinhos, o vilão, Rãs al Grull, diverge muito de seu par - criado por Dennis O'Neal - dos quadrinhos, no sentido de ser mais megalomaníaco no cinema e não ter o apelo redentor que tem nos quadrinhos, onde se apresenta como uma espécie de reformador social. O mascarado também está mais suave e até dá presentes para um pequeno fã, enquanto escala uma parede, num comportamento típico da jocosa série de tv, na qual o morcego fazia gracinhas com os moradores que davam as caras na janela - alguns famosos decadentes em busca de "ibope"- para cumprimentar o herói.
Há também o par romântico - a sem graça Katie Holmes - imposto à trama para agradar platéias femininas ou para dissipar suspeitas homosexuais que ainda pairam sobre as pontudas orelhas do vigador de Gothan. Ainda estamos por descobrir por que os produtores consideram as fãs tão ingênuas e melosas ou por que se esforçam por desmentir algo óbvio - não é o que você está pensando. Um cara como Bruce Wayne, com a personalidade em frangalhos, não pode viver romances adocicados, ele está mais próximo de tórridas e doentias paixões com, por exemplo, a Mulher Gato e, isso sim atrairia fãs e seria mais coerente do que um romance intantil com a filha da empregada. 

Assim seguem as adaptações cinematográficas. Nesse momento, o diretor Bryan Singer dedica-se à finalização do novo filme do Homem de Aço e as promessas de fidelidade aos quadrinhos se repetem. Bryan já nos presenteou com os excelentes X-men e X-men II que são fieis, dentro do respeito às regras de transposição de uma forma narrativa à outra, à melhor fase dos filhos do átomo, quando Chris Claremont e John Byrne levaram as vendas à estratósfera e os fãs, ainda hoje, sentem saudades. Resta-nos esperar para ver o quão digna será a nova aventura de Superman.
Um comentário:
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