16 de nov. de 2006

Constitution


Em "An affair to remember" ou "Tarde Demais Para Esquecer" de 1957, Constitution era o nome do navio em que Cary Grant e Deborah Kerr cruzam o Oceano Atlântico. Ela retornando para América, para os braços seguros e ternos de seu milionário gentil; ele também, para os braços de seiscentos milhões de dólares de sua noiva aristocrata.

Lá se vão cinqüenta anos e mundo mudou tanto, piorou tanto. Para começar, em "Tarde Demais Para Esquecer" a riqueza não é parceira da vilania. Cary e Deborah resistem, mas traem pessoas ricas, gentis e compreensivas. Ricas é verdade, mas não governadas pelo ódio.

O amor justifica tudo, a paixão dos viajantes rivaliza com a segurança prometida à Deborah e Cary. A ela e a ele são oferecidos o conforto e a segurança nobiliárquicos de Manhattan. O que mais dois bon vivant, dois artistas errantes e aventureiros podem querer além de alguém para pagar o champagne rosé.

Mas os dois traem, abandonam tudo. Com premeditação e cinismo se prometem para dali seis meses, após a chegada a New York durantes, durante os quais avaliaram a possibilidade de viver de brisa como disse certa vez Manoel Bandeira. Premeditação pura. Concluem que sim, que é possível viver de brisa, que são seres de coração, governados pelo amor e só não retomam a paixão náutica, ainda no meio da fita, porque o destino intervém com crueldade, mas para exigir deles provas de sinceridade e não para puni-los. E leitor vai me perdoar, mas é preciso assistir ao filme para saber o que aconteceu.

Tudo isso acontece num ambiente em que ricos e pobres não são opostos beligerantes. Existe uma obrigação civilizadora na fortuna. Os bem afortunados não devem abandonar aqueles que ainda envergam sob a tirania da pobreza. Para todos é prometida a terra do amanhã, basta fechar os olhos e desejar e, mesmo que ninguém fale, é preciso trabalhar também. Assim como Terry, a personagem de Deborah, que faz de sua arte a ponte para que crianças pobres alcancem a terra do amanhã, a América também leva Constitution para o mundo.

Em 1957 os EUA não eram recebidos como o grande explorador imperial, não. A América já foi a civilizadora do mundo, a terra do amanhã. Os americanos ainda se regozijavam da vitória dos valores da civilização ocorrida na década anterior, a Coréia, mesmo dividida seria exibida como um triunfo americano, ainda não chegara os tempos de Vietnã, quando os americanos questionaram seus valores e voltaram-se para o seu cost-to-cost regado a ácido para esquecer o mundo, a realidade. Dá saudades da URSS, que impunha à América um adversário à altura, uma escolha, mesmo que no final o destino interviesse.

Hoje o cinema mudou, estamos todos com medo. O cinema é só contestação e dúvidas. Todo mundo é contestador e as crianças não tomam mais banho de chuva, nem saem de casa sozinhas. Michael Moore é o Orson Wells dos nossos dias. Que pena! A falta de adversários à altura ampliou o escopo de gente muito pequena.

BOOH! Há sempre alguém espreitando, os ricos estão sempre fazendo planos de tirania perpetua, a pobreza é um valor em si mesmo e a América deve ser varrida da face da Terra para sempre.

Por que o mundo ficou tão pior. Onde está o espírito Constitution, o que aconteceu com aqueles que um dia desejaram a terra do amanhã.

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