2 de mar. de 2006

Um Dedo de Prosa (literatura de autoria própria)

Os gatos do Guimarães

I


Dona Helenilda era dessas personagens prontas, dessas que Veja elogia abundantemente, não precisava inventar nada, o verdadeiro sonho de autor. Um corpanzil embrulhado na chita mais extravagante, cabelo em coque preso por um lápis, óculos de armação de tartaruga e, mesmo nos dias mais frios de inverno, uma gotinha de suor percorrendo a fronte.

O melhor de tudo é que Dona Helenilda estava sempre na biblioteca, todos os dias era a primeira funcionária a chegar, o diretor há muitos anos já lhe confiara as chaves, das quais não havia outra cópia. Pontualmente, as sete da manhã, ela já estava atrás do balcão. Eficiência ímpar, elogiada até pelo Governador. Qualquer livro que se quisesse, bastava pedir que Dona Helenilda indicava a estante. Sem exageros, mas naquela época não havia computadores.

A eficiência de Dona Helenilda só se comparava com sua modéstia. A mulher era uma referência, espécie de ponto turístico. Quando alguém recebia uma visita, logo levava o recém chegado à biblioteca. O forasteiro, claro, era só exclamação de espanto. Como podia aquilo, um livro após o outro, todos ela sabia onde estavam. Que memória! Nada, meu filho, não lembro de nada, é só organização. Pura eficiência e modéstia.

Entre os demais funcionários da biblioteca a admiração não era um sentimento unânime, havia um ou outro que dizia que Dona Helenilda chegava mais cedo porque morava a paredes meias com a biblioteca, que ela só sabia a localização exata de todos os livros, porque era sempre ela quem os arrumava. Alguns desses, por assim dizer descontentes, até chegavam a fazer queixas ao diretor. Mas o homem nem se dava o trabalho de levantar da cadeira, apenas dizia que faria averiguações das faltas denunciadas, mas nunca inquiriu Dona Helenilda. Para dizer a verdade, se não notássemos a entrada e saída do diretor no início e no término do expediente, seriamos tentados a afirmar que o homem dormia na biblioteca, sentado na cadeira, atrás da mesa onde havia uma bem polida placa de metal sobre um pedestal de madeira onde se lia DIRETOR.

As intrigas sempre chegavam aos ouvidos da zelosa bibliotecária. O cafezinho precisava ser embalado por alguma conversar e o assunto circulava por amenidades mil e por horas a fio, enquanto os funcionários se revesavam na cantina, antes de eleger o cotidiano da repartição como o grande assunto. Nessa hora formavam-se duas facções. Uns que davam a conhecer as intrigas, inconformados com as injustiças das acusações caluniosas e outros, é bem verdade a minoria, sempre a propalar as alegadas faltas de Dona Helenilda, à espera de seu descontrole ou de uma reação menos educada, para aí sim, trazer à tona o verdadeiro caráter daquela senhora. Mas, em vida, Dona Helenilda jamais motivou tanto, era só serenidade, nem na cantina aparecia. Só tomava café quando a copeira lembrava-se de levar-lhe uma xícara até o balcão ou entre as prateleiras, onde estava arrumando os livros.

Um comentário:

Anônimo disse...

Hey what a great site keep up the work its excellent.
»