Os gatos do Guimarães
III
Falando assim, como se vem falando do senhor diretor, até parece que o homem era um trabalhador menos dedicado, os mais atentos diriam até que o homem era relaxado mesmo, um preguiçoso. Nada mais leviano, ninguém chega a diretor assim, à toa, sem mais nem menos, quando pouco o sujeito precisa ser bom bajulador e há casos extremos em que além disso, a criatura acumula predicados de competência. Então, alto lá, o diretor da biblioteca era um homem talhado para o cargo, tinha perfil, como se diz atualmente, podia não ter lido muitos livros, lera alguns poucos é verdade, romance, romance mesmo, lera umas histórias de detetive, científicos ou filosóficos, os tinha em casa, numa bela estante que ficava logo na sala de estar, não havia como ignorar, era um homem de notório saber.
A administração da biblioteca era algo do qual não se podia fazer qualquer queixa. As verbas, para iniciar pelo calcanhar de Aquiles de qualquer administrador público, tinham prestações de contas impecáveis, invariavelmente somavam-se entradas e saídas, créditos e débitos, restos e acertos e nada, nenhum erro. O pessoal sempre satisfeito, motivado e produtivo, bastava ver como a biblioteca funcionava, nenhuma queixa por parte dos leitores, se houvesse um índice de satisfação medido em sorrisos e gargalhadas, o comparecimento à cantina, note bem, a qualquer hora do expediente, constatava o bem estar dos funcionários daquela biblioteca. Um exemplo para a administração pública. Soma-se a isso, o fato, já mencionado, de que essa competência era exercida sem que o diretor se quer precisasse abandonar sua sala ou mesmo levantar-se de sua cadeira. O apreço e o respeito dos demais funcionários por aquela figura era tamanho que, além de Dona Helenilda que, como se sabe, não ia à cantina, o diretor também recebia seu café em sua mesa com direto aos biscoitos água e sal e manteiga.
Agora, o melhor adjetivo aplicável àquele homem era, sem dúvida, democrata. Desde o primeiro dia em que assumiu o cargo, desde o primeiro momento, quando fez um discurso inaugural, logo após a nomeação, suas primeiras palavras foram, estou diretor, sou funcionário como todos os demais, minha gestão será marcada pela democracia e participação. Essas podem ser palavras ensaiadas, da boca para fora ou chavões, como se diz por aí, mas no caso de nosso diretor, foram postas em prática e o dia-a-dia da biblioteca o servia de testemunha, não se tomava uma só decisão, por menos importante que fosse o assunto, sem que todos se reunissem para debater, mesmo nas emergências, quando o rigor da hora obrigaria a qualquer outro usar de punho ditatorial, o diretor ouvia serenamente as críticas. Pode-se acusa-lo de tudo, mas não era um homem de idéias fixas, fechado a inovações, muito pelo contrário, mudava de idéia sempre, tudo a bem da boa administração e da satisfação dos contribuintes, os verdadeiros guias do serviço público, como fez questão de afirmar ao final do já referido discurso.
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