3 de mar. de 2006

Um Dedo de Prosa (literatura de autoria própria)

Os gatos do Guimarães
II

Aqui, ali, acolá, sempre prestativa. Dona Helenilda era um faz tudo na biblioteca, atendia, guardava livros, organizava fichas, limpava, pintava e bordava. Um dia o diretor questionou-se da necessidade de tantos funcionários para manter a biblioteca em funcionamento. Desnecessário dizer que essa era a principal razão das intrigas contra aquela exemplar funcionária e que, em se tratando de repartição pública, jamais qualquer plano de reestruturação do quadro de pessoal seria posto em prática.

Um batalhão de arquivistas, restauradores que preferiam ser chamados de técnicos em manutenção do patrimônio, e até faxineiros habitava a biblioteca. Todos chegavam depois de Dona Helenilda e só começavam a trabalhar no momento em que o ponteiro do relógio que ficava preso no alto da parede do saguão da biblioteca se sobrepunha ao número XII, até aí era um burburinho de conversas e risadas que preenchia do saguão. Às sete horas, em ponto, o porteiro abria as portas, modo de dizer, que era só uma porta, que dava da biblioteca para a via pública. E tarefa de porteiro resume-se a abrir e fechar as portas, então o homem, na forma da lei, se dirigia para a cantina e de lá retornava às dezessete horas para fechar as portas, e como as abria, as fechava, estivesse alguém querendo entrar, só entrava após as sete, estivesse na biblioteca, se retirava antes das dezessete.

A cantina, o coração do dragão, era um burburinho só, o dia inteiro. A copeira, dedicada e prendada funcionária, provedora de diários seis litros de café, era testemunha viva do rigor do serviço público, única pessoa a ocupar um posto na biblioteca vago após uma demissão de outro servidor por incompetência. A copeira anterior fora demitida a bem do serviço público, fazia um café intragável. Assim que chegaram as primeiras denúncias, o senhor diretor nem mesmo promoveu o chamado inquérito administrativo, de certo que ele próprio conhecia a falta de capacidade da funcionária, tratou de expedir ofícios e despachos e logo a mulher estava na rua e sua substituta contratada.

A atual copeira era mulher de ciência, em sua primeira semana tratou de fazer minucioso levantamento dos gostos de todos os funcionários, forte, fraco, preto, suave, com muito ou com pouco açúcar, amargo, com adoçante, em copo, em xícara, com leite ou puro. Havia a certeza de que ao se encostar no balcão da cantina, se receberia exatamente aquilo que se queria, ninguém mais precisava fazer pedidos minuciosos. Em poucos dias, todas as garrafas térmicas estavam com etiquetas. Assim, ficou fácil saber porque a copeira anterior fora demitida. Sobrou um único desafio ao cuidadoso e detalhado levantamento, Dona Helenilda. Para esta, tanto fazia, jamais notara na copeira que fora demitida, constantemente esquecia-se de tomar o café que lhe era trazido, abandonava-o para ser recolhido e jogado no lixo. Zelosa de seu trabalho, a copeira chegou a interroga-la, se não gostava do café e testou diferentes receitas, mas sem sucesso. A conclusão era cientificamente clara, Dona Helenilda era indiferente ao café.

Dia após dia, essa era a rotina da biblioteca, os leitores eram atendidos, faziam seus empréstimos, suas devoluções, pagavam multas, faziam inscrição, procuram livros para pesquisa e para diversão ou vinham apenas para ler o diário. A biblioteca sempre cheia, jovens estudantes, donas de casa ou idosos à procura de um passa-tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Super color scheme, I like it! Good job. Go on.
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