Os gatos do Guimarães
IV
A biblioteca estava sempre cheia, a quantidade de leitores que freqüentavam aquela biblioteca fazia inveja a outras unidades semelhantes. Era possível encontrar títulos com listas de até vinte leitores na reserva. Dona Helenilda atendia a todos e os conhecia pelo nome, além de estar sempre disposta a receber novos interessados. Era uma entusiasta dos benefícios da leitura para a educação e o progresso de um povo, mas não chegava a ser militante das grandes causas, limitava-se a fazer seu trabalho com eficiência, atendendo com toda a dedicação e presteza a todos os leitores.
Um desses leitores novos, um menino cuja aparente idade denotava que acabara de ser iniciado no mundo das letras, em suas primeiras visitas à biblioteca tomava logo o rumo do fichário de autores, jamais se soube porque ele não se interessava pelo fichário de títulos. De toda a forma o menino dirigia-se fichário de autores, escolhia, tomava nota com o lápis que ficava amarrado com um barbante sobre o fichário junto com uma caixinha onde havia retalhos de papel, constantemente reabastecidos por Dona Helenilda e, encaminhava-se para as estantes. Invariavelmente, nas primeiras visitas à biblioteca, o menino retornava das estantes com as mãos vazias e um olhava que informava, até para o mais insensível dos homens, a incomensurável decepção de não se achar algo por que se buscou.
Nesses momentos, o recurso imediato era Dona Helenilda, que estava sempre à disposição. Qualquer outra pessoa não se daria por rogado e diante de tal rotina de insucessos, passaria a desencorajar o leitor, que incapaz de encontrar os livros, jamais poderia lê-los. Afinal qual a dificuldade da tarefa de, estando de posse do nome de um autor, encontrar a ficha que lhe corresponde, nela elencar os títulos que lhe interessam para, em seguida, procurar o código do título e com ele se buscar às estantes devidamente organizadas, segundo a ordem numérica e lógica e, com as correspondentes etiquetas a indicar o caminho, a direção, o endereço o destino daquilo que se busca?
Tenha a santa paciência, some-se a isso o fato de todo o trabalho e dedicação depreendidos na organização de harmonioso sistema de buscas, estamos diante de um evento desses que deixa qualquer cristão possuído pelo senhor dos infernos. Mas Dona Helenilda não sentia ódio, ela não. Respondia a mesma pergunta quantas vezes ela fosse feita. O nosso menino então, pode ser que estivéssemos distraídos um dia ou outro e não tenhamos percebido e contado, mas foram bem umas dez ou doze vezes que ele se dirigiu a Dona Helenilda, sempre do mesmo jeito. Não encontrei o livro. Acho até que ele nunca encontrou um livro sem ajuda dela, mas todas as vezes, e isso podemos afirmar, ainda que correndo o riscos de termos nos distraído um dia ou outro, todas as vezes Dona Helenilda saiu do balcão, foi até a estante e os dois voltaram com o livro desejado. E a decepção daquele olhar anterior, agora era admiração e agradecimento.
Tem ou tem razão essa mulher em relação à adequação dos elementos concorrentes com os resultantes da educação. A paciência, a admiração, o agradecimento são as bases do caráter do bom mestre, não há quem não aprenda encontrando um mestre com esses predicados e, como resultado, a educação liberta, emancipa e ilumina o caráter do discípulo. No nosso caso, concorreu significativamente a atitude docente de Dona Helenilda na emancipação do menino em questão.
A prova do que se diz, já que para os incrédulos tudo tem que ter uma prova, a ciência não deve nega-las e a rotunda afirmação anterior ganha ares de teoria, é que o menino passou a ser um leitor regular, dia sim, dia não estava na biblioteca em busca de um novo livro, lia um livro a cada dois dias religiosamente, se é que religião necessita de tamanha carga de leitura. Mas isso, antes de provar a teoria pedagógica nunca escrita de Dona Helenilda, era a gratificação do trabalho e da dedicação daquela mulher, era o que tornava digno e válido o esforço cotidiano daquela servidora, porque certamente, já que estamos no campo das teorias, surgirão aqueles a dizer que paciência, admiração e agradecimento são os fomentadores da idolatria e da tirania cegas e que alguém que mesmo lendo um livro a cada dois dias, toda a vez que vai a biblioteca, recorre a bibliotecária para encontrar um livro não é livre, nem emancipado em nenhum dos sentidos dados pelo dicionário ou pelo uso corrente dessas palavras.
2 comentários:
É uma brincadeira que ta rolando na blogosfera... E também uma idéia para um post!!!
"Cada bloguista participante tem de enunciar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do 'recrutamento'. Ademais, cada participante deve reproduzir este 'regulamento' no seu blogue."
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