22 de set. de 2005

No Escurinho do Cinema (Segredos e Mistérios)

Os segredos e sustos

Invariavelmente ele atravessava uma cena no meio dos seus filmes. Essa é uma das melhores coisas sobre os filmes de Alfred Hitchcock. Esperar o momento em que o gordinho careca aparece.
A outra coisa interessante sobre esse inglês excêntrico, para dizer o mínimo, é que sua obra tornou-se sinônimo de um gênero cinematográfico, o suspense. Então, o grande lance é tentar descobrir, no decorrer do filme, como é o desenlace final. Invariavelmente, erra-se.
O próprio Hitchcock é um completo enigma. Ao mesmo tempo que é um dos sujeitos mais biografados da história do cinema, também é um daqueles casos em quase ninguém concorda com nada. Ele é retratado como sendo desde um mero trabalhador da indústria que repetia a mesma fórmula de sucesso sempre, ou até mesmo como sendo um verdadeiro gênio inventivo que criava obras de indiscutível valor estético e cinematográfico.
Seja como for a carreira de Hitchcock iniciou-se ainda no cinema mudo em 1925 com um filme chamado The Pleasure Garden (O Jardim dos Prazeres). Nunca vi, mas com esse título e saído da complicada cabeça do mestre, dá até vontade, apesar dos comentários dizerem que o filme é mediocre e que não foi concluído. Note-se, como dado importante e contraditório, o fato desse criador oriundo do cinema mudo ser um dos diretores que melhor utilizou a música como elemento narrativo na sétima arte. Alfred filmou mudo mais 09 filmes até 1929, quando encerrou essa "fase" com The Manxman (O Ilhéu). Seu primeiro filme sonoro é Blackmail (Chantagem e Confissão) de 1929, ainda filmaria na Inglaterra mais 17 filmes, até 1949, ano de lançamento de Under Capricorn (Sob o Signo de Capricórnio), perfazendo 26 filmes ingleses.
Mesmo antes de ir para os Estados Unidos a, digamos assim, identidade estética de Hitchcock já estava definida, aliás desde o início o crime e o mistério aparecem como elementos principais de seus enredos, sendo seu terceiro filme The Lodger (1926) uma estória envolvendo ninguém menos que Jack, O Estripador.
Em 1949, Hitchcock atirriza em Hollywood já dando as cartas, uma vez que Rebeca (Rebeca, A mulher inesquecível) de 1940 fora agraciado com a estatueta da academia. Produziu freneticamente, justificando, muitas vezes a diferença na qualidade dos filmes. Mesmo assim, fez filmes brilhantes como Strangers on a Train (Pacto Sinistro) em 1951, Dial M for Murder (Disque M Para Matar) e Rear Window (Janela Indiscreta) em 1954, neste último não tivesse feito mais nada, a presença de Grace Kelly já valeria o ingresso. Mas teve mais, To Catch a Thief (Ladrão de Casaca), em 1955, The Trouble with Harry (O Terceiro Tiro), em 1956, The Man Who Knew Too Much (O Homem que Sabia Demais), em 1956, Vertigo (Um Corpo Que Cai), em 1958, North by Northwest (Intriga Internacional), em 1959, Psycho (Psicose), em 1960, The Birds (Os Pássaros), em 1963, Marnie (Marnie, Confissões de uma Ladra), em 1964, isso tudo só para citar os que eu acho melhores. O sujeito trabalhava muito e trabalhou até 1976, rodando um total de 44 filmes e ainda fez uma série de tv.
Não é exagero em dizer que Hitchcock criou o gênero suspense e desenvolveu seus principais elementos narrativos. O suspense à modo Hitchcock tem ação, mas não essa correria que estamos acostumados, pode-se dizer, por exemplo, que as sequências formadas por cortes rápidos, câmera em movimento e bruscos constrates estão presentes da obra de Hitchcock, como em Os Pássaros, mas não é nada como as sequências do mesmo tipo apresentadas em O Homem Aranha de Sam Raimi. Os elementos clássicos estão presentes e muito bem representados no filme do herói aracnídeo, mas em Os Pássaros esses elementos são apresentados em sua pureza, sem que Hitchcock os trate com reverência, deixando-os fluir com naturalidade. Com o susto é mesma coisa, o enquadramento das sequências, com o espectador em posição privilegiada, a música, como elemento pautador da tensão, tudo isso é Hitchcock, mas quando vemos isso sendo empregado em muitos filmes modernos temos a impressão de estar diante de algo gasto, repetitivo, exaurido... em Psicose, por exemplo, o timing dos sustos é perfeito, somos conduzidos por uma escada, de degrau em degrau e, de repente, ele nos solta, mas não como agora, quando a cada passo, pressentimos o tombo. Tanto é assim, que se pode ver o filme seguidas vezes, até uma atrás da outra, sem que os momentos tensos fiquem monótonos. O emprego da música também é magistral em Psicose e Um Corpo que Cai, o mestre dá aulas sobre como trilhar um filme.
O impacto da obra de Hitchcock na produção cinematográfica moderna é muito difícil de mensurar, mas basta dizer que o inglês deixou seguidores confessos como Brian de Palma que com o seu Dressed to kill (Vestida para Matar), de 1980, executa uma homenagem despudorada a Hitchcock.
A verdadeira medida da durabilidade da tradição iniciada por Hitchcock é a enxurrada de filmes de suspense que inunda os cinemas todos anos desde que David Fincher, em 1995, nos apresentou Seven (Os Sete Crimes Capitais) e aqueles que não conhecem a obra de Hitchcock ou torcem o nariz para filmes antigos passaram a se deleitar com a última novidade de Manoj Nelliyattu Shyamalan, ou simplesmente Night, sem dúvida um herdeiro que não relega o mestre, tendo até a mania de aparecer nos filmes.
O indiano maluco compôs, por enquanto, uma exótica e coerente quadrilogia que iniciou-se em The Sixth Sense (O sexto Sentido), de 1999, onde ressucitou Bruce Willis, até então apenas marido da Demi Moore e o Rato de A Gata e o Rato, lembra? Além desse empurrão na carreira do Rato, o filme é uma aula de cinema, onde o diretor mostra como a manipulação dos elementos da narrativa cinematográfica pode levar o espectador à diferentes experiências e conclusões, sem dúvida um tributo a Hitchcock. Depois, foi a vez de Willis agradecer fazendo Unbreakable (Corpo Fechado) em 2000, nesse o senhor da Noite nos brinda com uma gostosa e singela dedicatória ao mundo dos quadrinhos de superheróis, pena que o título em português afugente alguns espectadores, pois ficou parecendo coisa de macumba, mas os elementos do suspense e dos superheróis estão todos lá. Sobre esse ponto, não tenho dúvida em dizer que, mesmo com a avalanche de filmes baseados em quadrinhos que são lançados atualmente, Corpo Fechado ainda é o melhor, não sei como ninguém ainda não pensou em adapta-lo para a banda desenhada. Mas Night não parou e, em 2002 trouxe Signs (Sinais), uma gostosa divagação sobre extra-terrestres e sinais deixados nas plantações do mundo inteiro. Em 2004, foi a vez de The Village (A Vila), mais uma boa dose de suspense e o manifesto de Night em repúdio a civilização urbano-industrial, que não produz laços verdadeiramente comunitários entre as pessoas. Antes dessa quadrilogia, Night fez mais dois filmes pouco conhecidos do público brasileiro, que são Praying with anger (sem título em português), de 1992 e, Wide Awake (Olhos Abertos), de 1998.
Não pensem que Night é apenas um plagiador de Hitchcock. Não, os personagens do cara tem uma força interior, uma complexidade que é minuciosamente dissecada na tela e entregue ao expectador, nos fazendo cúmplices da trama. Essa é a grande marca de Night.
Agora, é só passar na locadora e pegar os filmes de Night e Hit.

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