16 de mar. de 2007

Esse é um tal Jonh Galt

Quem é John Galt?

Ayn Rand[*]

Bem, foi uma coisa que aconteceu na fábrica onde eu trabalhei durante vinte anos. Foi quando o velho morreu e os herdeiros tomaram conta. Eles eram três, dois filhos e uma filha, e inventaram um novo plano para administrar a fábrica. Deixaram a gente votar, também, para aceitar ou não o plano, e todo mundo, quase todo mundo, votou a favor. A gente não sabia, pensava que fosse bom. Não, também não é bem isso, não. A gente pensava o que queriam que a gente achasse que era bom. O plano era o seguinte: cada um trabalhava conforme sua capacidade, e recebia conforme sua necessidade.

Aprovamos o tal plano numa grande assembléia: nós éramos seis mil, todo mundo que trabalhava na fábrica. Os herdeiros do velho Starnes fizeram uns discursos compridos, e ninguém entendeu muito bem, mas ninguém fez nenhuma pergunta. Ninguém sabia como plano ia funcionar, mas cada um achava que o outro sabia. E quem tinha dúvida se sentia culpado e não dizia nada, porque do jeito como os herdeiros falavam, quem fosse contra era desumano e assassino de criancinha. Disseram que esse plano ia concretizar um nobre ideal. Como é que a gente podia saber? Não era isso que a gente ouvia a vida inteira dos pais, professores e pastores, em todos os jornais, filmes e discursos políticos? Não diziam sempre que isso é que era certo e justo? Bem, pode ser que a gente tenha alguma desculpa para o que fez naquela assembléia. O fato é que votamos a favor do plano, e o que aconteceu conosco depois foi merecido.

A senhora sabe, nós que trabalhamos lá na Twentieth-Century Motors durante aqueles quatro anos, somos homens marcados. O que é que dizem que o inferno é? O mal, o mal puro, nu, absoluto, não é? Pois foi isso que a gente viu e ajudou a fazer, e acho que todos nós estamos malditos, e talvez nunca mais vamos ter perdão.

A senhora quer saber como funcionou o tal plano, e o que aconteceu com as pessoas? É como derramar água dentro de um tanque onde tem um cano no fundo puxando mais água do que entra, e cada balde que a senhora derrama lá dentro o cano alarga mais um bocado, e quanto mais a senhor trabalha, mais exigem da senhora, e no final a senhora está despejando balde quarenta horas por semana, depois quarenta e oito, depois cinqüenta e seis, para o jantar do vizinho, para a operação da mulher dele, para o sarampo do filho dele, para a cadeira de rodas da mãe dele, para a camisa do tio dele, para a escola do sobrinho dele, para o bebê do vizinho, para o bebê que ainda vai nascer, para todo mundo à sua volta, tudo é para eles, desde as fraldas até as dentaduras, e só o trabalho é seu, trabalhar da hora em que o sol nasce até escurecer, mês após mês, ano após ano, ganhando só suor, o prazer só deles, durante toda a sua vida, sem descansar, sem esperança, sem fim.

De cada um, conforme sua capacidade, para cada um, conforme sua necessidade.

Nós somos uma grande família, todo mundo, é o que nos diziam, estamos todos no mesmo barco. Mas não é todo mundo que passa dez horas com um maçarico na mão, nem todo mundo que fica com dor de barriga ao mesmo tempo. Capacidade de quem? Necessidade de quem, quem tem prioridade? Quando é tudo uma coisa só, ninguém pode dizer quais são as suas necessidades, não é? Senão qualquer um pode dizer que necessita de um iate, e se só o que conta são os sentimentos dele, ele acaba até provando que tem razão. Por que não? Se eu só tenho o direito de ter carro depois que eu trabalhei tanto que fui parar no hospital, depois de garantir um carro para todo vagabundo e todo selvagem nu do mundo, por que ele não pode exigir de mim um iate também, se eu ainda tenho capacidade de trabalhar? Não pode? Então ele não pode exigir que eu tome meu café sem leite até ele conseguir pintar a sala de visitas dele?

Pois é. Mas aí decidiram que ninguém tinha direito de julgar suas próprias capacidades e necessidades. Tudo era resolvido na base da votação. Sim, senhora, tudo era votado em assembléia duas vezes por ano. Não tinha outro jeito, não é? E a senhora imagina o que acontecia nessas assembléias? Bastou a primeira para a gente descobrir que todo mundo tinha virado mendigo -- mendigos, esfarrapados, humilhados, todos nós, porque nenhum homem podia dizer que fazia jus a seu salário, não tinha direitos nem fazia jus a nada, não era dono de seu trabalho, o trabalho pertencia à 'família', e ele não lhe devia nada em troca, a única coisa que cada um tinha era a sua 'necessidade', e aí tinha que pedir em público que atendessem às suas necessidades, como qualquer parasita, enumerando todos os seus problemas, até os remendos na calça e os resfriados da esposa, na esperança de que a 'família' lhe jogasse uma esmola. O jeito era chorar miséria, porque era a sua miséria, e não o seu trabalho, que agora era a moeda corrente de lá.

Assim, a coisa virou um concurso de misérias disputado por seis mil pedintes, cada um chorando mais miséria que o outro. Não tinha outro jeito, não é? A senhora imagina o que aconteceu, que tipo de homem ficava calado, com vergonha, e que tipo de homem levava a melhor?

Mas tem mais. Mais uma coisa que a gente descobriu na mesma assembléia. A produção da fábrica tinha caído quarenta por cento naquele primeiro semestre, e aí concluiu-se que alguém não tinha usado toda a sua 'capacidade'. Quem? Como descobrir? A 'família' decidia isso no voto, também. Escolhiam no voto quais eram os melhores trabalhadores, e esses eram condenados a trabalhar mais, fazer hora extra todas as noites durante os próximos seis meses. E sem ganhar nada mais, porque a gente ganhava não por tempo nem por trabalho, e sim conforme a necessidade.

Será necessário explicar o que aconteceu depois disso? Explicar que tipo de criaturas nós fomos virando, nós que antes éramos seres humanos? Começamos a esconder toda a nossa capacidade, trabalhar mais devagar, ficar de olho para ter certeza de que a gente não trabalhava mais depressa nem melhor do que o colega ao nosso lado. Tinha que ser assim, pois a gente sabia que quem desse o melhor de si para a 'família' não ganhava elogio nem recompensa, mas castigo. Sabíamos que para cada imbecil que estragasse um motor e desse um prejuízo para a fábrica -- ou por desleixo, porque ele não tinha nenhum motivo para caprichar, ou por pura incompetência -- quem ia ter que pagar era a gente, trabalhando de noite e no domingo. Assim, a gente se esforçava o máximo para ser o pior possível.

Havia um garoto que começou todo empolgado com o nobre ideal, um garoto muito vivo, sem instrução, mas um crânio. No primeiro ano ele inventou um processo que economizava milhares de homens-hora. Deu de mão beijada a descoberta dele para a 'família', não pediu nada em troca, nem podia, mas não se incomodava com isso. Era tudo pelo ideal, dizia ele. Mas quando foi eleito um dos mais capazes e condenado a trabalhar de noite, ele fechou a boca e o cérebro. No ano seguinte, é claro, não teve nenhuma idéia brilhante.

A vida inteira nos ensinaram que os lucros e a competição tinham um efeito nefasto, que era terrível um competir com o outro para ver quem era melhor, não é? Nefasto? Pois deviam ver o que acontecia quando um competia com o outro para ver quem era o pior.

Não há maneira melhor de destruir um homem do que obrigá-lo a tentar NÃO fazer o melhor de que é capaz, a se esforçar por fazer o pior possível, dia após dia. Isso mata mais depressa do que a bebida, a vadiagem, a vida de crime. Mas para nós a única saída era fingir incompetência. A única acusação que temíamos era a de que tínhamos capacidade. A capacidade era como uma hipoteca que não se termina de pagar.

E trabalhar para quê? A gente sabia que o mínimo para a sobrevivência era dado a todo mundo, quer trabalhasse quer não, a chamada 'ajuda de custo para moradia e alimentação', e mais do que isso não se tinha como ganhar, por mais que se esforçasse. Não se podia ter certeza de que seria possível comprar uma muda de roupas no ano seguinte -- a senhora podia ou não ganhar uma 'ajuda de custo para vestimentas', dependendo de quantas pessoas quebrassem a perna, precisassem ser operadas, ou tivessem mais filhos. E se não havia dinheiro para todo mundo comprar roupas, então a senhora também ficava sem roupa nova.

Havia um homem que tinha passado a vida toda trabalhando até não poder mais, porque queria que seu filho fizesse faculdade. Pois bem, o garoto terminou o secundário no segundo ano de vigência do plano, mas a 'família' não quis dar ao homem uma 'ajuda de custo' para pagar a faculdade do filho. Disseram que o filho só ia poder entrar para a faculdade quando houvesse dinheiro para os filhos de todos entrarem para a faculdade -- e, para isso, era preciso primeiro pagar a escola secundária dos filhos de todos, e não havia dinheiro nem para isso. O homem morreu no ano seguinte, numa briga de faca num bar, uma briga sem motivo; brigas desse tipo estavam se tornando cada vez mais comum entre nós.

Havia um sujeito mais velho, um viúvo sem família, que tinha um hobby: colecionar discos. Acho que era a única coisa de que ele gostava na vida. Antigamente, ele costumava ficar sem almoçar para ter dinheiro para comprar mais um disco clássico. Pois não lhe deram nenhuma 'ajuda de custo' para comprar discos -- disseram que aquilo era 'luxo pessoal'. Mas, naquela mesma assembléia, votaram a favor de dar para uma tal de Millie Bush, filha de alguém, uma garotinha de oito anos, feia e má, um aparelho de ouro para corrigir seus dentes -- isto era uma 'necessidade médica', porque o psicólogo da empresa disse que a coitadinha ia ficar com complexo de inferioridade se seus dentes não fossem endireitados. O velho que gostava de música passou a beber. Chegou a um ponto em que nunca mais era visto sóbrio. Mas parece que uma coisa ele nunca esqueceu. Uma noite, ele vinha cambaleando pela rua quando viu a tal da Millie Bush: deu-lhe um soco que lhe quebrou todos os dentes. Todos.

A bebida, naturalmente, era a solução para a qual todos nós apelávamos, uns mais, outros menos. Não me pergunte onde é que achávamos dinheiro para isso. Quando todos os prazeres decentes são proibidos, sempre se dá um jeito de gozar os prazeres que não prestam. Ninguém arromba mercearias à noite nem rouba o colega para comprar discos clássicos nem caniços de pesca, mas se é para tomar um porre e esquecer, faz-se de tudo. Caniços de pesca? Armas para caçar? Máquinas fotográficas? Hobbies? Não havia 'ajuda de custo de entretenimento' para ninguém. O 'entretenimento' foi a primeira coisa que eles cortaram. Pois a gente não deve ter vergonha de reclamar quando alguém pede para abrirmos mão de uma coisa que nos dá prazer? Até mesmo a nossa 'ajuda de custo de fumo' foi racionada a ponto de só recebermos dois maços de cigarro por mês -- e isso, diziam eles, porque o dinheiro estava indo para o fundo do leite dos bebês.

Os bebês eram o único produto que havia em quantidades cada vez maiores -- porque as pessoas não tinham outra coisa para fazer, imagino, e porque não tinham que se preocupar com os gastos da criação dos bebês, já que eram uma responsabilidade da 'família'. Aliás, a melhor maneira de conseguir um aumento e poder ficar mais folgado por uns tempos era ganhar uma 'ajuda de custo para bebês' -- ou isso ou arranjar uma doença séria.

Não demorou muito para a gente entender como a coisa funcionava. Todo aquele que resolvia fazer tudo certinho tinha que se abster de tudo. Tinha que perder toda a vontade de gozar qualquer prazer, não gostar de fumar um cigarro nem mascar um chiclete, porque alguém podia ter uma necessidade maior do dinheiro gasto naquele cigarro ou chiclete. Sentia vergonha cada vez que engolia uma garfada de comida, pensando em quem tinha tido que trabalhar de noite para pagar aquela garfada, sabendo que a comida que comia não era sua por direito, sentindo a vontade infame de ser trapaceado ao invés de trapacear, ser um pato e não um sanguessuga. Não podia ajudar os pais, para não colocar um fardo mais pesado sobre os ombros da 'família'. Além disso, se ele tivesse um mínimo de senso de responsabilidade, não podia nem casar nem ter filhos, pois não podia planejar nada, prometer nada, contar com nada.

Mas os indolentes e irresponsáveis se deram bem. Arranjaram filhos, seduziram moças, trouxeram todos os parentes imprestáveis que tinham, todas as irmãs solteiras grávidas, para receber uma 'ajuda de custo de doença', inventaram todas as doenças possíveis, sem que os médicos pudessem provar a fraude, estragaram suas roupas, seus móveis, suas casas -- pois não era a 'família' que estava pagando? Descobriram muito mais 'necessidades' do que os outros -- desenvolveram um talento especial para isso, a única capacidade que demonstraram.

Deus me livre! A senhora entende? Compreendemos que nos tinham dado uma lei, uma lei MORAL, segundo eles, que punia aqueles que a observavam -- pelo fato de a observarem. Quanto mais a senhora tentava seguir essa lei, mais a senhora sofria; quanto mais a senhora a violava, mais lucrava. A sua honestidade era como um instrumento nas mãos da desonestidade do próximo. Os honestos pagavam, e os desonestos lucravam. Os honestos perdiam, os desonestos, ganhavam. Com esse tipo de padrão do que é certo e errado, por quanto tempo os homens poderiam permanecer honestos? No começo éramos pessoas bem honestas, e só havia uns poucos aproveitadores. Éramos competentes, orgulhávamo-nos do nosso trabalho, e éramos empregados da melhor fábrica do país, para a qual o velho Starnes só contratava a nata dos trabalhadores. Um ano depois da implantação do plano não havia mais um homem honesto entre nós. Era ISSO o mal, o horror infernal que os pregadores usavam para assustar os fiéis, mas que a gente nunca imaginava ver em vida.

A questão não foi que o plano estimulasse uns poucos corruptos, e sim que ele corrompia pessoas honestas, e o efeito não podia ser outro -- e era isso que chamavam de idéia moral!

Queriam que trabalhássemos em nome de quê? Do amor pelos nossos irmãos? Que irmãos? Os parasitas, os sanguessugas que víamos ao redor? E se eles eram desonestos ou se eram incompetentes, se não tinham vontade ou não tinham capacidade de trabalhar -- que diferença fazia para nós? Se estávamos presos para o resto da vida àquele nível de incompetência, fosse verdadeiro ou fingido, por quanto tempo nos daríamos o trabalho de seguir em frente? Não tínhamos como saber qual era a verdadeira capacidade deles, não tínhamos como controlar suas necessidades -- só sabíamos que éramos burros de carga lutando às cegas num lugar que era meio hospital, meio curral -- um lugar onde só incentivavam a incompetência, as catástrofes, as doenças - burros de carga que só serviam às necessidades que os outros afirmavam ter.

Amor fraternal? Foi aí que aprendemos, pela primeira vez na vida, a odiar nossos irmãos. Começamos a odiá-los por cada refeição que faziam, cada pequeno prazer que gozavam, a camisa nova de um, o chapéu da esposa do outro, o passeio que um dava com a família, a reforma que o outro fazia na sua casa -- tudo aquilo era tirado de nós, era pago pelas nossas privações, nossa renúncias, nossa fome.

Um começou a espionar o outro, cada um tentando flagrar o outro em alguma mentira sobre as suas necessidades, para cortar sua 'ajuda de custo' na próxima assembléia. começaram a surgir delatores, que descobriam que alguém tinha comprado clandestinamente um peru para a família num domingo qualquer, provavelmente com o dinheiro que ganhara no jogo. Começamos a nos meter um na vida do outro. Provocávamos brigas de família, para conseguir que os parentes de alguns saíssem da lista de beneficiados. Toda vez que víamos algum homem começando namorar uma moça, tornávamos a vida dele um inferno. Fizemos muitos noivados se romperem. Não queríamos que ninguém se casasse: não queríamos mais dependentes para alimentar.

Antigamente, comemorávamos quando alguém tinha filho, todo mundo contribuía para ajudar a pagar a conta do hospital, quando os pais estavam sem dinheiro no momento. Agora, quando nascia uma criança, ficávamos sem falar com os pais. Para nós, os bebês eram agora o que os gafanhotos são para os fazendeiros.

Antigamente, ajudávamos quem tinha um doente na família. Agora. Vou contar só um caso para a senhora. Era a mãe de um homem que estava trabalhando conosco há quinze anos. Era uma senhora simpática, alegre e sábia, conhecia todos nós pelo primeiro nome, todos nós gostávamos dela, antes. Um dia ela escorregou na escada do porão, caiu e quebrou a bacia. Nós sabíamos o que isso representava para uma pessoa daquela idade. O médico disse que ela teria que ser hospitalizada, para fazer um tratamento caro e demorado. A velha morreu na véspera do dia em que ia ser removida para o hospital. Ninguém nunca explicou a causa da morte dela. Não, não sei se foi assassinada. Ninguém disse isso. Ninguém comentava nada sobre o assunto. A única coisa que eu sei -- e disso nunca vou me esquecer -- é que eu, também, quando dei por mim estava rezando para que ela morresse. Que Deus nos perdoe! Era essa a fraternidade, a segurança, a abundância que nos haviam prometido com a adoção do plano.

E quando a gente via isso, entendia qual era a motivação verdadeira de todo mundo que já pregou o princípio "de cada um conforme sua capacidade, a cada um conforme sua necessidade". Era esse o segredo da coisa. De início, eu não entendia como é que os homens instruídos, cultos e famosos do mundo poderiam fazer um erro como esse e pregar que esse tipo de abominação era direita -- quando bastavam cinco minutos de reflexão para eles verem o que aconteceria quando alguém tentasse pôr em prática essa idéia. Agora eu sei que eles não defendiam isso por erro. Ninguém faz um erro desse tamanho inocentemente. Quando os homens defendem alguma loucura malévola, quando não têm como fazer essa idéia funcionar na prática e não têm um motivo que possa explicar essa sua escolha, então é porque não querem revelar o verdadeiro motivo.

E nós também não éramos tão inocentes assim, quando votamos a favor daquele plano na primeira assembléia. Não fizemos isso só porque acreditávamos naquelas besteiradas que eles vomitavam. Nós tínhamos outro motivo, mas as besteiradas nos ajudavam a escondê-lo dos outros e de nós mesmos, nos davam uma oportunidade de dar a impressão de que era virtude algo que tínhamos vergonha de assumir. Cada um que aprovou o plano achava que, num sistema assim, conseguiria faturar em cima dos lucros dos homens mais capazes. Cada um, por mais rico e inteligente que fosse, achava que havia alguém mais rico e mais inteligente, e que esse plano lhe daria acesso a uma fatia da riqueza e da inteligência daqueles que eram melhores que ele. Mas enquanto ele pensava que ia ganhar aquilo que ele não merecia e que cabia aos que lhe eram superiores, ele esquecia os homens que lhe eram inferiores e que iam querer roubá-lo tanto quanto ele queria roubar seus superiores. O trabalhador que gostava de pensar que suas necessidades lhe davam o direito de ter uma limusine igual à do patrão se esquecia de que todo vagabundo e mendigo do mundo viria gritando que as necessidades deles lhes davam o direito de ter uma geladeira igual à do trabalhador. Era ESSE o nosso motivo para aprovar o plano, na verdade, mas não gostávamos de pensar nisso: e então, quanto mais a idéia nos desagradava, mais alto gritávamos que éramos a favor do bem comum.

Bem, tivemos o que merecíamos. Quando vimos o que havíamos pedido, era tarde demais. Tínhamos caído numa armadilha, e não tínhamos para onde ir. Os melhores de nós saíram da fábrica na primeira semana de vigência do plano. Perdemos nossos melhores engenheiros, superintendentes, chefes, os trabalhadores mais qualificados. Quem tem amor-próprio não se deixa transformar em vaca leiteira para ser ordenhada pelos outros. Alguns sujeitos capacitados tentaram seguir em frente, mas não conseguiram agüentar muito tempo. A gente estava sempre perdendo os melhores, que viviam fugindo da fábrica como o diabo da cruz, até que só restavam os homens necessitados, sem mais nenhum dos capacitados. E os poucos que ainda valiam alguma coisa eram aqueles que já estavam lá havia muito tempo.

Antigamente, ninguém pedia demissão da Twentieth-Century Motors, e a gente não conseguia se convencer de que a Twentieth-Century Motors não existia mais. Depois de algum tempo, não podíamos mais pedir demissão porque nenhum outro empregador nos aceitaria, aliás com razão. Ninguém queria ter qualquer tipo de relacionamento conosco, nenhuma pessoa nem firma respeitável. Todas as pequenas lojas com que negociávamos começaram a sair de Starnesville depressa, e no final só restavam bares, cassinos e salafrários que nos vendiam porcarias a preços exorbitantes. As esmolas que recebíamos eram cada vez menores, mas o custo de vida subia. A lista dos necessitados da fábrica não parava de aumentar, mas a lista de fregueses diminuía. Havia cada vez menos renda para dividir entre cada vez mais pessoas.

Antigamente, dizia-se que a marca da Twentieth-Century Motors era tão confiável quanto a marca de quilates num lingote de ouro. Não sei o que pensavam os herdeiros do velho Starnes, se é que eles pensavam alguma coisa, mas imagino que, como todos os planejadores sociais e selvagens, eles achavam que essa marca era um selo mágico que tinha um poder sobrenatural que os manteria ricos, tal como havia enriquecido seu pai. Mas quando nossos fregueses começaram a perceber que nunca conseguíamos entregar uma encomenda dentro do prazo, nem produzir um motor que não tivesse algum defeito, o selo mágico passou a ter o valor oposto: as pessoas não queriam um motor nem dado, se ele ostentasse o selo da Twentieth-Century Motors.

E no final nossos fregueses eram todos do tipo que nunca pagam o que devem, e nunca têm mesmo intenção de pagar. Mas Gerald Starnes, dopado por sua própria publicidade, ficava todo empertigado, com ar de superioridade moral, exigindo que os empresários comprassem nossos motores, não porque eles fossem bons, mas porque tínhamos muita NECESSIDADE de encomendas.

Àquela altura qualquer imbecil já podia ver o que gerações de professores não haviam conseguido enxergar. De que adiantaria nossa necessidade, para uma usina, quando os geradores paravam porque nossos motores não funcionavam direito? De que ela adiantaria para um paciente sendo operado, quando faltasse luz no hospital? De que ela adiantaria para os passageiros de um avião, quando os motores pifassem em pleno vôo? E se eles comprassem nossos produtos não por causa do seu valor, mas por causa de nossa necessidade, isso seria correto, bom, moralmente certo para o dono daquela usina, o cirurgião daquele hospital, o fabricante daquele avião?

Pois era esta a lei moral que os professores e líderes e pensadores queriam estabelecer por todo o mundo. Se era este o resultado quando ela era aplicada numa única cidadezinha onde todo mundo se conhecia, a senhora pode imaginar o que aconteceria em escala mundial? A senhora pode imaginar o que aconteceria se a senhora tivesse de viver e trabalhar afetada por todos os desastres e toda a malandragem do mundo? Trabalhar -- e quando alguém cometesse um erro em algum lugar, a senhora é que teria de pagar. Trabalhar -- sem jamais ter perspectivas de melhorar de vida, sendo que suas refeições, suas roupas, sua casa e seu prazer estariam à mercê de qualquer trapaça, de qualquer problema de fome ou de peste em qualquer parte do mundo. Trabalhar -- sem nenhuma perspectiva de ganhar uma ração extra enquanto os cambojanos não tivessem sido alimentados e os patagônios não tivessem todos feito faculdade. Trabalhar -- tendo cada criatura no mundo um cheque em branco na mão, gente que a senhora nunca vai conhecer, cujas necessidades a senhora jamais vai conhecer, cuja capacidade e preguiça e desleixo e desonestidade são coisas que a senhora jamais vai saber nem tem direito de questionar -- enquanto as Ivys e os Geralds da vida resolvem quem vai consumir o esforço, os sonhos e os dias de sua vida. E é ESTA lei moral que se deve aceitar? ISTO é um ideal moral?

Olhe, nós tentamos -- e aprendemos. Nossa agonia durou quatro anos, da nossa primeira assembléia à última, e acabou da única maneira que podia acabar: com a falência. Na nossa última assembléia foi Ivy Starnes que tentou manter as aparências. Fez um discurso curto, vil e insolente, dizendo que o plano havia fracassado porque o resto do país não o havia aceitado, que uma única comunidade não poderia ter sucesso no meio de um mundo egoísta e ganancioso, e que o plano era um ideal nobre, mas que a natureza humana não era suficientemente boa para que ele desse certo.

Um rapaz -- o mesmo que fora punido por dar uma boa idéia no primeiro ano -- levantou-se, enquanto todos os outros permaneciam calados, e andou até Ivy Starnes no tablado. Não disse nada. Cuspiu na cara dela. Foi assim que acabaram o nobre plano e a Twentieth-Century Motors.



[*] Ayn Rand, nascida Alissa Zinovievna Rosenbaum, (São Petersburgo, 2 de Fevereiro de 1905 — Nova Iorque, 6 de Março de 1982) foi uma controversa filósofa estado-unidense de origem judaico-russa, mais conhecida por sua filosofia do Objetivismo, e seus romances A Nascente e Quem é John Galt?. Sua filosofia e sua ficção enfatizam, sobretudo, suas noções de individualismo, egoísmo racional, e capitalismo. Seus romances preconizam o individualismo filosófico e liberalismo econômico. Ela ensinava:

· Que o homem deve definir seus valores e decidir suas ações à luz da razão;

· Que o indivíduo tem direito de viver por amor a si próprio, sem se sacrificar pelos outros e sem esperar que os outros se sacrifiquem por ele; e

· Que ninguém tem o direito de usar força física para tomar dos outros o que lhes é valioso ou de impor suas idéias sobre os outros.

Um admirador de Ayn Rand organizou, em 1972, o Partido Libertário americano, cujo programa original tinha os traços que ela mesma defendia nos anos 40.

16 de jan. de 2007

Ditadores cômicos



Um ditador e seu papagaio.
Quem é o ditador e quem é o papagaio?
Você tem duas chances (duas fotos) para adivinhar.

Mais um ditador


Vê lá se o céu é o paraíso. Se for a utopia, os comunas estão todos aí...

Vamos promover um golpe celeste é só aguardar....

11 de jan. de 2007

Justiça para quem precisa...

A irrelevância do caso é irrelevante, seria se não tivesse as conseqüências que teve.
Milhares de pessoas no Brasil utilizam o youtube para ver ou postar vídeos. De fato, esse serviço popularizou a divulgação de imagens em patamares até então inimaginados. Bom, esses milhares de pessoas - a maioria não viu e nem quer ver o vídeo da Cicarelli - teve o seu acesso aos serviços bloqueado para atender aos intereses da moça que é VJ na MTV.
Vamos aos fatos. A modelo protagonizou uma tórrida cena de sexo em público numa praia em Cádiz, Espanha. Não sei o nome que os espanhóis dão a tal comportamento, aqui se chama atentado ao pudor e é crime, creio que lá também não seja legal.
Então, a moça cometeu um crime, o crime foi testemunhado por pessoas que dispunham de meios para registrar as imagens, as imagens foram divulgadas e moça convenceu um juiz brasileiro de que a divulgação das imagens atentava contra sua honra (sic!). Entenderam?
Eu também não.
Agora temos o prescedente. Qualquer meliante preso poderá exigir e deverá ser atendido pela justiça, que as imagens de sua prisão ou quaisquer outras que o relacionem ao crime não sejam publicamente divulgadas por constituir a divulgação atentado a sua honra.
Temos outro prescedente, criamos as penas coletivas. Agora, se alguém cometer um crime, toda uma comunidade à qual o criminoso se relacione, ainda que os demais membros da mesma não mantenham e não desejem manter relações com ele, será penalizada para que um indivíduo possa ser punido por um crime. Já imaginou se a moda pega?

4 de jan. de 2007

A série continua


Dando continuidade a séria grandes ditadores da humanidade. A gente já teve o ditador de pantufas e hoje teremos o ditador de cuecas.

Futuro e Passado

Ainda hoje há pessoas no Brasil que debatem as privatizações ocorridas no Governo FHC. Discutir o preço de venda das estatais e o que foi feito do dinheiro é coisa para quem não entende nada de mercados de capitais e da estrutura da dívida pública brasileira ou alguém imagina que se a CVRD fosse posta à venda hoje, amanhã suas ações não estariam desvalorizadas em 45%? Se imagina.... Haloowww!!! Já tentar imaginar que teriámos condições de oferecer serviços compatíveis com o atual estágio de integração da economia mundial mantendo o controle estatal das empresas de telecomunicações, só em filme do Almodovár.
Olha o que a Sandra Carvalho publicou no blog dela hoje:
" Quem acha que a situação da banda larga no Brasil é ruim pode se consolar com o Qatar, que só tem um provedor de acesso de internet rápida.

Imagine um país inteiro com um único IP! O provedor único funciona como gateway para todas as pessoas que usam a web numa população total de pouco mais de 600 mil.

A estrutura bizarra da internet no Qatar se tornou mais conhecida esses dias, quando a Wikipedia, para bloquear vândalos digitais do país, acabou tendo que bloquear o país inteiro.

O veto aos cidadãos do Qatar durou doze horas, o suficiente para os mal-humorados pegarem, mais uma vez, no pé da Wikipedia. O Qatar tinha a imagem de país mais desenvolto tecnologicamente do que outros da região por causa da sua CNN árabe, a Al Jazzeera."

13 de dez. de 2006

Em Números

148 milhões de reais é o valor que o governo federal liberou (o dinheiro estava contingenciado no orçamento) hoje para vitaminar o controle de tráfego aéreo brasileiro.
154 pessoas é o número de vítimas no acidente com o boeing da Gol que detonou a crise no serviço de controle de tráfego aéreo.
171 milhões de reais é o valor que o Milan quer receber para liberar o jogador Kaka do cumprimento do seu contrato.
8 milhões de reais é o valor oferecido pelo piercing preso na genitália da "atriz" Karina Bacchi.
Faça as contas!

12 de dez. de 2006

Um ditador de pantufas



A morte de Pinochet reabriu feridas no Chile. Às portas da escola militar, onde é velado o corpo do ditador, enormes filas se formam com populares que desejam prestar a última homenagem ao ex-senhor da vida e da morte.

Em Cuba, o ditador está de pantufas.

Comparação sem propósito, diriam aqueles que enfrentam a polícia chilena, desconsolados por não terem julgado Pinochet em vida. Claro que não, crimes são crimes.

Ambos são genocidas, ambos não têm apresso algum pela liberdade, ambos não respeitam o direito à dissidência. Os motivos, as razões ou justificativas de cada um só são válidos para eles mesmo e para seus partidários.

A decadência dos dois deveria servir de alerta ao povo latinoamericano. Deveria, mas não serve.

A compulsão por regimes políticos exóticos parece ser um traço irremovível da personalidade cultural desses povos que vivem do lado de baixo do equador.

Chavez, Lula e Morales daqui a vinte anos causaram conflitos com suas mortes ou agonizaram de pantufas em cadeiras de balanço?

16 de nov. de 2006

Constitution


Em "An affair to remember" ou "Tarde Demais Para Esquecer" de 1957, Constitution era o nome do navio em que Cary Grant e Deborah Kerr cruzam o Oceano Atlântico. Ela retornando para América, para os braços seguros e ternos de seu milionário gentil; ele também, para os braços de seiscentos milhões de dólares de sua noiva aristocrata.

Lá se vão cinqüenta anos e mundo mudou tanto, piorou tanto. Para começar, em "Tarde Demais Para Esquecer" a riqueza não é parceira da vilania. Cary e Deborah resistem, mas traem pessoas ricas, gentis e compreensivas. Ricas é verdade, mas não governadas pelo ódio.

O amor justifica tudo, a paixão dos viajantes rivaliza com a segurança prometida à Deborah e Cary. A ela e a ele são oferecidos o conforto e a segurança nobiliárquicos de Manhattan. O que mais dois bon vivant, dois artistas errantes e aventureiros podem querer além de alguém para pagar o champagne rosé.

Mas os dois traem, abandonam tudo. Com premeditação e cinismo se prometem para dali seis meses, após a chegada a New York durantes, durante os quais avaliaram a possibilidade de viver de brisa como disse certa vez Manoel Bandeira. Premeditação pura. Concluem que sim, que é possível viver de brisa, que são seres de coração, governados pelo amor e só não retomam a paixão náutica, ainda no meio da fita, porque o destino intervém com crueldade, mas para exigir deles provas de sinceridade e não para puni-los. E leitor vai me perdoar, mas é preciso assistir ao filme para saber o que aconteceu.

Tudo isso acontece num ambiente em que ricos e pobres não são opostos beligerantes. Existe uma obrigação civilizadora na fortuna. Os bem afortunados não devem abandonar aqueles que ainda envergam sob a tirania da pobreza. Para todos é prometida a terra do amanhã, basta fechar os olhos e desejar e, mesmo que ninguém fale, é preciso trabalhar também. Assim como Terry, a personagem de Deborah, que faz de sua arte a ponte para que crianças pobres alcancem a terra do amanhã, a América também leva Constitution para o mundo.

Em 1957 os EUA não eram recebidos como o grande explorador imperial, não. A América já foi a civilizadora do mundo, a terra do amanhã. Os americanos ainda se regozijavam da vitória dos valores da civilização ocorrida na década anterior, a Coréia, mesmo dividida seria exibida como um triunfo americano, ainda não chegara os tempos de Vietnã, quando os americanos questionaram seus valores e voltaram-se para o seu cost-to-cost regado a ácido para esquecer o mundo, a realidade. Dá saudades da URSS, que impunha à América um adversário à altura, uma escolha, mesmo que no final o destino interviesse.

Hoje o cinema mudou, estamos todos com medo. O cinema é só contestação e dúvidas. Todo mundo é contestador e as crianças não tomam mais banho de chuva, nem saem de casa sozinhas. Michael Moore é o Orson Wells dos nossos dias. Que pena! A falta de adversários à altura ampliou o escopo de gente muito pequena.

BOOH! Há sempre alguém espreitando, os ricos estão sempre fazendo planos de tirania perpetua, a pobreza é um valor em si mesmo e a América deve ser varrida da face da Terra para sempre.

Por que o mundo ficou tão pior. Onde está o espírito Constitution, o que aconteceu com aqueles que um dia desejaram a terra do amanhã.

24 de jul. de 2006

Merchandising Social (o novo nome da lição de moral)

Você se lembra de He Man and Masters of The Universe?

Terminava os episódios e um dos personagens fazia uma inseção de alguns segundos, onde lebrava a moral da história que tinhámos acabado de assistir.

Eu adorava o desenho, mas detestava aquela bobagem toda. Tá legal, eu já sabia que bem sempre vencia e eu assistia é para isso mesmo. Já falei o quanto a TV é responsável pelo meu surperego. Mas aquela inserção era de morte, parecia que os caras achavam que a gente era idiota e não tinha entendido do que tratava a história.

Dois fatos ocorridos no mesmo dia têm uma relação direta com a idiotice do tal merchandising social, outro dia fui cortar os cabelos, meus e do meu filho e, enquanto esperava ele ser atendido, fiquei lendo uma Veja, para ser mais preciso, lendo a entrevista das páginas amarelas, onde, detre outras coisas, o noveleiro Silvio de Abreu dizia que a evolução dos nossos folhetins televisivos não se deve ao aumento do padrão de exigência da audiência, que esse só tem decaido, consequência da qualidade ou falta dela na educação escolar do brasileiro médio, por outro lado é possível dizer que as tramas melhoraram em decorrência da competição entre os autores e que é até díficil desenvolver boas tramas em vista da incapacidade do espectador de compreender o que se passa.

Bom a nova novela das oito da TV Globo é uma prova da evolução da teledramaturgia brasileira. Atualmente, com o pomposo nome de merchandising social (tudo em inglês é mais bonito), ao final de cada capítulo, ilustres desconhecidos fazem inserções de alguns segundos para nos dar lições de moral.

O próximo passo nessa evolução será esconder o ilustre desconhecido entre os figurantes ou o cenário da novela e, ao final perguntar se você conseguiu encontra-lo durante o capítulo, pelo sim, pelo não, em seguida mostrar o frame onde a criatura aparece explicitamente. Lembram do Geninho da She-Ha, aquilo foi a evolução do He-Man. Depois do Geninho, eu até ouvia a baboseira do final, só para disputar com meus coleguinhas o trofeu da descoberta do esconderijo do gato-gambar, sei lá o que. Mas, isso só vai acontecer, quando a gente estiver bem treinado.

Felei que foram dois fatos e foram mesmo. Depois de cortar os cabelos, fomos assistir a Carros da Pixar e lá também tem lição de moral, mas, como sabem que as crianças são seres que interagem com as informações e não baús onde se jogam tralhas para guardar, os produres do filme deixam por conta dos espectadores a interpretação da lição.

Um adesivo

Recebi, num cruzamento do Buritis, um adesivo da campanha do Aécio.

Acho que essa campanha será uma das mais limpas dos últimos tempos. É claro que quando digo limpa não me referido a nenhum avanço no sentido de não se onerar indevidamente o erário público. Claro está que nos encaminhamos para o financiamento público das campanhas, o que é o ataque legitimado dos cofres da nação.

A limpeza da atual campanha se dará no sentido de não emporcalharmos nossas cidades com propaganda. Aqui em Minas menos ainda, porque dada a vantagem do candidato a reeleição, o Governador Aécio Neves, nem ele, nem os adversários têm a menor necessidade de fazer grandes gastos com publicidade.

E a gente se sente até desinteressado em colar o adesivo no para-brisas, mas eu colei assim mesmo. Só para afrontar o concerto nacional pró PT.

A liberdade e a classe trabalhadora

Qual o sentido que há em dar liberdade para as classes populares. O que os trabalhadores farão com a liberdade de expressão e de pensamento?

Às classes trabalhadoras não se deve dar a opressão, deve-se deixa-las trabalhar. A liberdade não tem qualquer significado para elas.

Podolotria da fama

Há um certo impulso podólotro nas celebridades. Senão vejamos, por que calçada da fama, por que não mural, galeria, etc. e por que sandálias da humildade, por que não luvas, peruca, avental, etc.

Vou chamar isso de complexo de pavão.

Piada

Um amigo me lembrou, na sexta-feira passada, que a maior piada de português da história é o Brasil.

Homo x Hétero

Domingo, 16, ocorreu, aqui em Belo Horizonte a passeata do orgulho gay.

De tudo que ouvi sobre o assunto, uma coisa me deixou particularmente intrigado. Alguém leu ou disse que a passeata também visava a afirmação da livre orientação sexual.

Vamos ler as sombras das palavras. Uma passeata do orgulho gay que afirme a livre orientação sexual, por mais que não seja essa a intenção explicita e tenho certeza que não é, intui, denota, insinua, etc. que a orientação hétero não é livre ou talvez alguém venha dizer que isso é caraminhola da minha cabeça, mania de perseguição, preconceito, etc. Não é!

O discurso oficial do movimento é muito centrado na questão da aceitação das diferenças ou, no mínimo, na livre convivência com as diferenças. Não sei se já falei isso aqui, mas se não falei, falo agora. Isso tudo me parece muito contraditório.

Historicamente, estou falando de década de 50 e 60, a identidade gay se associava com uma posição rebelde, outsider. Os gays não procuravam aceitação e tolerância, eles queriam romper com o status quo, transformar a sociedade, ainda que pacificamente, é inegável que esse conteúdo fazia parte da mística de movimentos como os dos hippies e gays de São Francisco, só para citar um caso emblemático, que identificavam a orientação hétero como um traço de conservadorismo.

Um outro conteúdo interessante no discurso oficial é o que vou chamar de naturalização X escolha. Afirma-se enfaticamente que a orientação sexual é resultado de uma escolha de uma opção, procura-se minimizar quaisquer causas dessa orientação relacionadas a impulsos orgânicos, inclusive como contra argumentação do discurso hétero que se apega, pelo menos em sua versão menos sofisticada, em funções orgânicas e religiosas-culturais para justificar a orientação sexual.

Tenho que impressão que o homossexualismo moderno (a partir de meados do século XIX até nossos dias) se reveste de um significado bastante diverso daquele correspondente à antigüidade. Para os antigos tratava-se sobretudo de conformação a imperativos culturais coletivos, ser homossexual em Roma ou na Grécia antiga não era um ato de rebeldia, antes de conformação e aceitação. Em nossa sociedade, o movimento pelo politicamente correto reverte um dos principais focos de rebeldia do século XX em ação pela família em prol da propriedade.

18 de jul. de 2006

Amenidades pop


Aposto que você não sabia que OMO quer dizer "a velha mãe coruja", em iglês, é claro: Old Mother Own. Eu também não sabia, foi a Marie Suzuki Fujisawa quem me ensinou na Isto é - dinheiro.
Eu achava que sabia de tudo, mas essas informações são demais até para mim, não vou desculpar o machismo, porque tem gente que pode achar que isso não é machismo. Mas será que eu, tendo dito isso, não sou quem acha que isso é machismo... Sei lá, mas que importa ser ou não ser machista, esse lance de politicamente correto já tá enchendo o saco, por isso vamos direto às informações estarrecedoras:
Além de OMO significar "a velha mãe coruja", a Marie - japinha - também me ensinou que 42% das decisões relativas a compra de carros novos são tomadas por mulheres, 58% das decisões relativas à aquisição de remédios também, a última palavra na compra de planos de saúde é das mulheres em 88% das vezes, 92% dos pacotes turísticos são vendidos sob a orientação feminina e 94% do mobiliário doméstico, é claro, só é comprado depois que a mulher bate o martelo.
Se você é publicitário já deve saber de tudo isso, mas eu confesso que estou pasmo, sempre achei que mandava mais e que apenas a compra do meu serviço fúnebre seria uma decisão alheia e que a aquisão da cadeira onde estou sentado foi frudo de meus impulsos de animal macho. Sinal dos tempos.
Ah! só para não esquecer do politicamente correto. Esses números são provas estátisticas da emancipação feminina ou como diria Roberto Campos, a estatística é como o biquine - que machismo - mostra tudo, menos o essencial.

A longa espera

Tá legal gente, fiquei um tempão sem postar e peço desculpas, mas é assim mesmo o blog é para os outros, mas, no fundo, é um coisa pessoal e agente só posta se tiver algo a dizer... Melhor fazer silêncio a postar coisas que não estão na nossa alma....
Então, vamos lá.

10 de jun. de 2006

Polis (A longa noite dos cristais)

Esta semana o MLST patrocinou a nossa longa noite dos cristais.
Um apedeuta popular, um povo inculto e um ufanismo cego, uma ideologia, eu quero uma para viver... Não somos nem um pouco criativos.

3 de abr. de 2006

A que ponto...

O Encontro do BID, o provincianismo e o pequeno Czar


Reza a lenda que a desconfiança do mineiro se deve ao fato de por muito tempo ter degustado as notícias de segunda mão. A Corte sempre esteve ali no litoral. Ainda, segundo a lenda, o jeito de ser sorrateiro do povo das alterosas também se deve a esse, vamos chamar, complexo interiorano.

Está na hora de acrescentar mais algumas observações de fatos recentes que corroboram a lenda. Pelo que se vê em Belo Horizonte por esses dias, dias de Congresso do Banco Interamericano de Desenvolvimento, simplesmente BID, a coisa vai ficar complicada se algum dia a capital mineira sediar um evento de âmbito mundial, neste caso a opção será clara, abrigar temporariamente a população de BH em outra cidade. Chegou-se ao cúmulo de cogitar o fechamento da Avenida Afonso Pena, a principal da cidade, ao trânsito de pedestres. Temia-se um ataque terrorista.

Com o perdão do ?Estado de Minas?, o grande jornal dos mineiros, mas um ataque terrorista em BH não seria primeira página no The New York Times. Isso é substimar a inteligência terrorista.

Em sua mais legítima vontade de apresentar-se como bom anfitrião, o Governador Aécio Neves, fez de tudo para mostrar aos diretores do Banco o estupendo estágio de avanço da civilização mineira, decidiu, as três da tarde leva-los ao Mineirão para ver um jogo de futebol marcado para as nove e quarenta da noite. Até aí tudo bem, a eficiência logística da Polícia Militar de Minas Gerais se fez presente e, quando do início do jogo, anfitrião e convidados estavam dignamente acomodados em uma área vip construída em um par de horas e sob a guarda de um aparato de segurança digno dos que lá estavam presentes.

Fico a indagar meus mineiros botões, será que isso é realmente demonstração de civilização e eficiência ou nossos convidados, regressando a terra natal, não vão comentar que, quando aqui estiveram, foram recepcionados por um pequeno imperador que tinha todas as suas vontades atendidas e cujos súditos estejam dispostos a sacrificar sua rotina cotidiana para bem atender seus convidados.

Sou mineiro de um outro tipo, sou daqueles que, ao dá banquete, está sempre desconfiado se os convidados não vão sair falando da minha generosidade ou da minha falta responsabilidade por servir aos outros na festa aquilo que não gozo no dia-a-dia.

13 de mar. de 2006

Um Dedo de Prosa (literatura de autoria própria)

Os gatos do Guimarães
V


A morte é essencialmente imprevisível no que respeita ao momento exato que fique claro, não se fala da morte como uma probabilidade. É o que se costuma pensar. Entretanto, não era esse o aspecto do óbito que pacificava a alma de Dona Helenilda. A irresponsabilidade, a inculpabilidade, o ar de inocência às avessas que se sobrepunha sobre os resultados de todos os atos do vivente após sua morte era o guia do comportamento daquela mulher. Havia uma atração infantil, um que de transgressão em tudo que ela fazia. Sim, porque se está a comprometer as sólidas bases de uma moral, que nos mantém em convivência pacifica, ao se pensar na morte como uma libertação e se comportar em vida ao sabor do instinto, sem esperar por um julgamento póstumo.

Aos cinco anos, Dona Helenilda já sabia ler e a partir de então tomou os livros como companheiros, desenvolveu profundo zelo por eles e os abraçou como uma vocação, um chamado, um fazer no mundo. Em contrapartida a humanidade foi fendida em duas metades, de um lado aqueles que, como ela, viviam a orbitar os livros, sejam como senhores criadores, conservadores ou como servos leitores e os demais pouco afeitos aos labirintos das letras. Aos primeiros, a liberdade da biblioteca, a falta de ordem, o folhear errático e os saltos entre as citações, aos últimos, o cordão de Ariadne, desde o balcão da bibliotecária até onde ela achasse por bem dar tensão e resgatar o indigno viajante.

A aparente amabilidade para com todos os usuários da biblioteca escondia essa sutil distinção entre os homens. Para uns a bibliotecária facultava direitos, a outros servia, livrando-os dos riscos, mas com profundo desprezo. A dispensável ordem em que os livros deveriam ser dispostos era a cadeia da lógica impessoal, o meio de garantir ao comum dos seres, desarmado das habilidades literárias, uma segurança dispensável ao senhor das letras, que se guiava por instinto, por sua sensibilidade, algo avesso às lógicas impessoais.

Essa era a causa de uns não encontrarem os livros. Dona Helenilda nunca os organizava nas estantes, segundo as ordens alfabéticas e numerológicas impessoais, antes os volumes eram dispostos segundo os amores da bibliotecária, uns mais próximos para contemplação constante, objetos de ardente paixão, outros a meio caminho, como amores mornos estáveis em quem se confia a ausência do olhar constante, outros ainda mais afastados, quase perdidos, uns restos de relações um dia incandescentes e rapidamente extintas ou desgastadas gradualmente pelo tempo e, por fim, junto a parede ao fundo, alguns que nunca chegaram a ser notados ou que causaram profunda tristeza, que traíram, que mentiram e por isso foram abandonados e repousavam desprezados num horizonte distante como inimigos além da fronteira. E, é claro, tal ordem não respeitava uma estabilidade cronológica, a paixão de hoje podia facilmente tornar-se o traidor de amanhã e uma nova faceta do ser amado recém descoberta, transformava-o em objeto de obscuros desejos de uma intimidade próxima.

Também se explicavam assim, as furtivas visitas que Dona Helenilda fazia à biblioteca durante a noite. Após cessar o movimento das ruas, quando todos os viventes ou estavam temporariamente entregues aos braços da morte ou dedicados às artes reclusas, a mulher caminhava pelas ruas, evidentemente sozinha, mas adjetivo dispensável, porque como se sabe, era de sua natureza ser sozinha a qualquer hora, adentrava a biblioteca, tomando o cuidado de trancar a porta por dentro, não por medo de ser surpreendida, mas para evitar que um dia ou, melhor dizendo, uma noite ter de prestar desnecessárias explicações a qualquer um dos reles servidores que de dia maculavam o lugar com seu comportamento de monótonos trabalhadores à espera da hora da saída. Pela mesma razão, Dona Helenilda também não acendia luzes o que lhe causava grande desconforto, mas era largamente recompensado pelo prazer que adivinha das horas de leitura e manuseio dos livros em meio ao silêncio e a escuridão. Então, antes que os viventes despertassem da provisória morte ou os amantes se dessem por satisfeitos e as horas de trabalho chamassem a todos, Dona Helenilda deixava a biblioteca e trancava a porta, desta vez por fora, agora pelos motivos que movem a todos, para manter os ladrões deste lado.

7 de mar. de 2006

Um Dedo de Prosa (literatura de autoria própria)

Os gatos do Guimarães
IV


A biblioteca estava sempre cheia, a quantidade de leitores que freqüentavam aquela biblioteca fazia inveja a outras unidades semelhantes. Era possível encontrar títulos com listas de até vinte leitores na reserva. Dona Helenilda atendia a todos e os conhecia pelo nome, além de estar sempre disposta a receber novos interessados. Era uma entusiasta dos benefícios da leitura para a educação e o progresso de um povo, mas não chegava a ser militante das grandes causas, limitava-se a fazer seu trabalho com eficiência, atendendo com toda a dedicação e presteza a todos os leitores.

Um desses leitores novos, um menino cuja aparente idade denotava que acabara de ser iniciado no mundo das letras, em suas primeiras visitas à biblioteca tomava logo o rumo do fichário de autores, jamais se soube porque ele não se interessava pelo fichário de títulos. De toda a forma o menino dirigia-se fichário de autores, escolhia, tomava nota com o lápis que ficava amarrado com um barbante sobre o fichário junto com uma caixinha onde havia retalhos de papel, constantemente reabastecidos por Dona Helenilda e, encaminhava-se para as estantes. Invariavelmente, nas primeiras visitas à biblioteca, o menino retornava das estantes com as mãos vazias e um olhava que informava, até para o mais insensível dos homens, a incomensurável decepção de não se achar algo por que se buscou.

Nesses momentos, o recurso imediato era Dona Helenilda, que estava sempre à disposição. Qualquer outra pessoa não se daria por rogado e diante de tal rotina de insucessos, passaria a desencorajar o leitor, que incapaz de encontrar os livros, jamais poderia lê-los. Afinal qual a dificuldade da tarefa de, estando de posse do nome de um autor, encontrar a ficha que lhe corresponde, nela elencar os títulos que lhe interessam para, em seguida, procurar o código do título e com ele se buscar às estantes devidamente organizadas, segundo a ordem numérica e lógica e, com as correspondentes etiquetas a indicar o caminho, a direção, o endereço o destino daquilo que se busca?

Tenha a santa paciência, some-se a isso o fato de todo o trabalho e dedicação depreendidos na organização de harmonioso sistema de buscas, estamos diante de um evento desses que deixa qualquer cristão possuído pelo senhor dos infernos. Mas Dona Helenilda não sentia ódio, ela não. Respondia a mesma pergunta quantas vezes ela fosse feita. O nosso menino então, pode ser que estivéssemos distraídos um dia ou outro e não tenhamos percebido e contado, mas foram bem umas dez ou doze vezes que ele se dirigiu a Dona Helenilda, sempre do mesmo jeito. Não encontrei o livro. Acho até que ele nunca encontrou um livro sem ajuda dela, mas todas as vezes, e isso podemos afirmar, ainda que correndo o riscos de termos nos distraído um dia ou outro, todas as vezes Dona Helenilda saiu do balcão, foi até a estante e os dois voltaram com o livro desejado. E a decepção daquele olhar anterior, agora era admiração e agradecimento.

Tem ou tem razão essa mulher em relação à adequação dos elementos concorrentes com os resultantes da educação. A paciência, a admiração, o agradecimento são as bases do caráter do bom mestre, não há quem não aprenda encontrando um mestre com esses predicados e, como resultado, a educação liberta, emancipa e ilumina o caráter do discípulo. No nosso caso, concorreu significativamente a atitude docente de Dona Helenilda na emancipação do menino em questão.

A prova do que se diz, já que para os incrédulos tudo tem que ter uma prova, a ciência não deve nega-las e a rotunda afirmação anterior ganha ares de teoria, é que o menino passou a ser um leitor regular, dia sim, dia não estava na biblioteca em busca de um novo livro, lia um livro a cada dois dias religiosamente, se é que religião necessita de tamanha carga de leitura. Mas isso, antes de provar a teoria pedagógica nunca escrita de Dona Helenilda, era a gratificação do trabalho e da dedicação daquela mulher, era o que tornava digno e válido o esforço cotidiano daquela servidora, porque certamente, já que estamos no campo das teorias, surgirão aqueles a dizer que paciência, admiração e agradecimento são os fomentadores da idolatria e da tirania cegas e que alguém que mesmo lendo um livro a cada dois dias, toda a vez que vai a biblioteca, recorre a bibliotecária para encontrar um livro não é livre, nem emancipado em nenhum dos sentidos dados pelo dicionário ou pelo uso corrente dessas palavras.

4 de mar. de 2006

Um Dedo de Prosa (literatura de autoria própria)

Os gatos do Guimarães
III


Falando assim, como se vem falando do senhor diretor, até parece que o homem era um trabalhador menos dedicado, os mais atentos diriam até que o homem era relaxado mesmo, um preguiçoso. Nada mais leviano, ninguém chega a diretor assim, à toa, sem mais nem menos, quando pouco o sujeito precisa ser bom bajulador e há casos extremos em que além disso, a criatura acumula predicados de competência. Então, alto lá, o diretor da biblioteca era um homem talhado para o cargo, tinha perfil, como se diz atualmente, podia não ter lido muitos livros, lera alguns poucos é verdade, romance, romance mesmo, lera umas histórias de detetive, científicos ou filosóficos, os tinha em casa, numa bela estante que ficava logo na sala de estar, não havia como ignorar, era um homem de notório saber.

A administração da biblioteca era algo do qual não se podia fazer qualquer queixa. As verbas, para iniciar pelo calcanhar de Aquiles de qualquer administrador público, tinham prestações de contas impecáveis, invariavelmente somavam-se entradas e saídas, créditos e débitos, restos e acertos e nada, nenhum erro. O pessoal sempre satisfeito, motivado e produtivo, bastava ver como a biblioteca funcionava, nenhuma queixa por parte dos leitores, se houvesse um índice de satisfação medido em sorrisos e gargalhadas, o comparecimento à cantina, note bem, a qualquer hora do expediente, constatava o bem estar dos funcionários daquela biblioteca. Um exemplo para a administração pública. Soma-se a isso, o fato, já mencionado, de que essa competência era exercida sem que o diretor se quer precisasse abandonar sua sala ou mesmo levantar-se de sua cadeira. O apreço e o respeito dos demais funcionários por aquela figura era tamanho que, além de Dona Helenilda que, como se sabe, não ia à cantina, o diretor também recebia seu café em sua mesa com direto aos biscoitos água e sal e manteiga.

Agora, o melhor adjetivo aplicável àquele homem era, sem dúvida, democrata. Desde o primeiro dia em que assumiu o cargo, desde o primeiro momento, quando fez um discurso inaugural, logo após a nomeação, suas primeiras palavras foram, estou diretor, sou funcionário como todos os demais, minha gestão será marcada pela democracia e participação. Essas podem ser palavras ensaiadas, da boca para fora ou chavões, como se diz por aí, mas no caso de nosso diretor, foram postas em prática e o dia-a-dia da biblioteca o servia de testemunha, não se tomava uma só decisão, por menos importante que fosse o assunto, sem que todos se reunissem para debater, mesmo nas emergências, quando o rigor da hora obrigaria a qualquer outro usar de punho ditatorial, o diretor ouvia serenamente as críticas. Pode-se acusa-lo de tudo, mas não era um homem de idéias fixas, fechado a inovações, muito pelo contrário, mudava de idéia sempre, tudo a bem da boa administração e da satisfação dos contribuintes, os verdadeiros guias do serviço público, como fez questão de afirmar ao final do já referido discurso.

3 de mar. de 2006

Um Dedo de Prosa (literatura de autoria própria)

Os gatos do Guimarães
II

Aqui, ali, acolá, sempre prestativa. Dona Helenilda era um faz tudo na biblioteca, atendia, guardava livros, organizava fichas, limpava, pintava e bordava. Um dia o diretor questionou-se da necessidade de tantos funcionários para manter a biblioteca em funcionamento. Desnecessário dizer que essa era a principal razão das intrigas contra aquela exemplar funcionária e que, em se tratando de repartição pública, jamais qualquer plano de reestruturação do quadro de pessoal seria posto em prática.

Um batalhão de arquivistas, restauradores que preferiam ser chamados de técnicos em manutenção do patrimônio, e até faxineiros habitava a biblioteca. Todos chegavam depois de Dona Helenilda e só começavam a trabalhar no momento em que o ponteiro do relógio que ficava preso no alto da parede do saguão da biblioteca se sobrepunha ao número XII, até aí era um burburinho de conversas e risadas que preenchia do saguão. Às sete horas, em ponto, o porteiro abria as portas, modo de dizer, que era só uma porta, que dava da biblioteca para a via pública. E tarefa de porteiro resume-se a abrir e fechar as portas, então o homem, na forma da lei, se dirigia para a cantina e de lá retornava às dezessete horas para fechar as portas, e como as abria, as fechava, estivesse alguém querendo entrar, só entrava após as sete, estivesse na biblioteca, se retirava antes das dezessete.

A cantina, o coração do dragão, era um burburinho só, o dia inteiro. A copeira, dedicada e prendada funcionária, provedora de diários seis litros de café, era testemunha viva do rigor do serviço público, única pessoa a ocupar um posto na biblioteca vago após uma demissão de outro servidor por incompetência. A copeira anterior fora demitida a bem do serviço público, fazia um café intragável. Assim que chegaram as primeiras denúncias, o senhor diretor nem mesmo promoveu o chamado inquérito administrativo, de certo que ele próprio conhecia a falta de capacidade da funcionária, tratou de expedir ofícios e despachos e logo a mulher estava na rua e sua substituta contratada.

A atual copeira era mulher de ciência, em sua primeira semana tratou de fazer minucioso levantamento dos gostos de todos os funcionários, forte, fraco, preto, suave, com muito ou com pouco açúcar, amargo, com adoçante, em copo, em xícara, com leite ou puro. Havia a certeza de que ao se encostar no balcão da cantina, se receberia exatamente aquilo que se queria, ninguém mais precisava fazer pedidos minuciosos. Em poucos dias, todas as garrafas térmicas estavam com etiquetas. Assim, ficou fácil saber porque a copeira anterior fora demitida. Sobrou um único desafio ao cuidadoso e detalhado levantamento, Dona Helenilda. Para esta, tanto fazia, jamais notara na copeira que fora demitida, constantemente esquecia-se de tomar o café que lhe era trazido, abandonava-o para ser recolhido e jogado no lixo. Zelosa de seu trabalho, a copeira chegou a interroga-la, se não gostava do café e testou diferentes receitas, mas sem sucesso. A conclusão era cientificamente clara, Dona Helenilda era indiferente ao café.

Dia após dia, essa era a rotina da biblioteca, os leitores eram atendidos, faziam seus empréstimos, suas devoluções, pagavam multas, faziam inscrição, procuram livros para pesquisa e para diversão ou vinham apenas para ler o diário. A biblioteca sempre cheia, jovens estudantes, donas de casa ou idosos à procura de um passa-tempo.

2 de mar. de 2006

Um Dedo de Prosa (literatura de autoria própria)

Os gatos do Guimarães

I


Dona Helenilda era dessas personagens prontas, dessas que Veja elogia abundantemente, não precisava inventar nada, o verdadeiro sonho de autor. Um corpanzil embrulhado na chita mais extravagante, cabelo em coque preso por um lápis, óculos de armação de tartaruga e, mesmo nos dias mais frios de inverno, uma gotinha de suor percorrendo a fronte.

O melhor de tudo é que Dona Helenilda estava sempre na biblioteca, todos os dias era a primeira funcionária a chegar, o diretor há muitos anos já lhe confiara as chaves, das quais não havia outra cópia. Pontualmente, as sete da manhã, ela já estava atrás do balcão. Eficiência ímpar, elogiada até pelo Governador. Qualquer livro que se quisesse, bastava pedir que Dona Helenilda indicava a estante. Sem exageros, mas naquela época não havia computadores.

A eficiência de Dona Helenilda só se comparava com sua modéstia. A mulher era uma referência, espécie de ponto turístico. Quando alguém recebia uma visita, logo levava o recém chegado à biblioteca. O forasteiro, claro, era só exclamação de espanto. Como podia aquilo, um livro após o outro, todos ela sabia onde estavam. Que memória! Nada, meu filho, não lembro de nada, é só organização. Pura eficiência e modéstia.

Entre os demais funcionários da biblioteca a admiração não era um sentimento unânime, havia um ou outro que dizia que Dona Helenilda chegava mais cedo porque morava a paredes meias com a biblioteca, que ela só sabia a localização exata de todos os livros, porque era sempre ela quem os arrumava. Alguns desses, por assim dizer descontentes, até chegavam a fazer queixas ao diretor. Mas o homem nem se dava o trabalho de levantar da cadeira, apenas dizia que faria averiguações das faltas denunciadas, mas nunca inquiriu Dona Helenilda. Para dizer a verdade, se não notássemos a entrada e saída do diretor no início e no término do expediente, seriamos tentados a afirmar que o homem dormia na biblioteca, sentado na cadeira, atrás da mesa onde havia uma bem polida placa de metal sobre um pedestal de madeira onde se lia DIRETOR.

As intrigas sempre chegavam aos ouvidos da zelosa bibliotecária. O cafezinho precisava ser embalado por alguma conversar e o assunto circulava por amenidades mil e por horas a fio, enquanto os funcionários se revesavam na cantina, antes de eleger o cotidiano da repartição como o grande assunto. Nessa hora formavam-se duas facções. Uns que davam a conhecer as intrigas, inconformados com as injustiças das acusações caluniosas e outros, é bem verdade a minoria, sempre a propalar as alegadas faltas de Dona Helenilda, à espera de seu descontrole ou de uma reação menos educada, para aí sim, trazer à tona o verdadeiro caráter daquela senhora. Mas, em vida, Dona Helenilda jamais motivou tanto, era só serenidade, nem na cantina aparecia. Só tomava café quando a copeira lembrava-se de levar-lhe uma xícara até o balcão ou entre as prateleiras, onde estava arrumando os livros.

28 de fev. de 2006

Polis (Imagens e Palavras)

O Haiti é aqui?

Quando o Brasil contribuiu para a estabilização do Haiti e o estabelecimento de uma autoridade democraticamente legítima naquele país, o país - por ser líder das forças de paz - e ONU tiveram a oportunidade de realmente iniciar um processo histórico novo, desvinculado do passado de abusos e golpes políticos que marcou a história haitiana desde a independência em 1804 ou 1820 (como queiram).

O que se viu desde então foi uma sucessão de erros (a incapacidade das forças de paz de garantirem a paz, a incapacidade dos órgãos de ajuda humanitária em debelar a fome crônica, o suicídio de um general - consciente de suas limitações e da exposição desnecessária de suas tropas - e, por último, mas não menos importante, uma eleição meia boca que vai desestabilizar o futuro da nação haitiana). Erros, é um eufemismo, um modo polido de dizer, um jeito de não trazer à tona os precedentes, os passos em falso que poderiam ser corrigidos.

Quando, em 2001, o presidente americano tomou a decisão de unilateral de declarar guerra contra o terror, não faltaram os baluartes do bom senso a dizer que a ONU deveria ser consultada (no mínimo), que o que Bush fazia era wanted dead or alive justiça far western. Pois bem, a Casa Branca foi adiante, depôs o talibã, organizou um governo novo no Afeganistão, depôs Sadan Hussein e também organizou um governo novo no Iraque. Em meio a bombas e fanatismo, o empreendimento americano trouxe uma nação da idade média para a civilização e resgatou outra dos idos da década de 40. Quem é o ignorante, o cowboy armado, quem garantiu, ainda que sob pena de romper temporariamente valores íntimos da cultura americana, que solo ianque não fosse mais machado por atentados terroristas, quem estava certo Bush ou Michael Moore, que lotou cinemas com o seu porcumentário (como foi bem definido nas páginas de PRIMEIRA LEITURA) onde desmoralizava a Casa Branca, quem?

É preciso lembrar à ONU que apesar do belo discurso da convivência harmônica entre diferentes, não é a civilização ocidental que tem rejeitado o resto do mundo. O palavreado fácil e irresponsável que corre pelos Fóruns Sociais Mundiais, arrota grandes bordões (Sistema Capitalista, Globalização, Imperialismo, etc.) como se a civilização ocidental fosse monolítica e houvesse uma grande inteligência a reger os atos de todos os homens e mulheres que vivem suas vidinhas cotidianas esquecidos de seu dever de opressores de povos menos afortunados. Se há tal inteligência, ela deveria se empenhar em um destino manifesto civilizador, transformador da cultura política arcaica e moribunda que foi desalojada na Europa e na América do Norte nos séculos XVIII e XIX, mas que insiste em manter-se em boa parte da Ásia, África e América Latina.

O Brasil e a ONU, ao darem um jeitinho na eleição do Haiti e deixarem de apurar as fraudes e punir os culpados, dando transparência à eleição e legitimidade ao novo governo, legaram uma herança de fome, ignorância, violência e instabilidade política àquela república. O Haiti não será melhor do que era após a intervenção da ONU.

9 de dez. de 2005

A Televisão Me Deixou Burro Demais

A Seguir, Cenas Dos Próximos Capítulos...

Por que será que deixaram de passar as cenas dos próximos capítulos nas novelas? Esta é realmente uma pergunta intrigante. Aposto que você nunca pensou nisso.
Eh, meu amigo, os tempos mudaram. Você deve estar pensando, lá vem ele de novo falar que antigamente era tudo cor-de-rosa. Pôxa vida, esse cara sabe realmente como estragar o momento. E hoje, é tudo ruim?
Sabe, uma coisa continua do mesmo jeito: a novela sempre acaba quando a gente quer ver mais. Mas, aí entra a abertura. Tá legal, abertura é no começo, no final é encerramento. E os créditos passam rapidinho. Vai dizer que você consegue ler os crédidos de novela? Ah! Por que não fazem uma abertura e um encerramento diferentes? Preciso pensar nisso.
Tudo bem, a novela acaba, começa o jornal ou o filme. As pessoas ficam sem assunto durante os comerciais e a abertura do jornal ou da sessão de cinema.
- Olha, você viu a mocinha na casa do mocinho nas cenas?
Qual era o problema com as cenas do próximo capítulo. Tem sempre um cara prático - dizem pragmático, que é mais elegante - para dizer tempo é dinheiro, em televisão tempo é muito dinheiro. Vai ver é por isso que os créditos passam rápido. Ah, mas as cenas nem demoravam tanto assim.
Sabe o que é pior, nem avisaram a gente, simplesmente deixaram de passar as cenas, assim, sem mais nem menos. Fazem plebicito e referendo pra tudo quanto há. Tinha que ter um plebicito - atenção senhores congressistas - para decidir se tem ou não que ter cenas do próximo cápitulo. Isso é que é questão de importância cívica.
E quando a novela acabava. No último capítulo, é claro, não tinha cenas do próximo capítulo. Aposto que quem é mais jovem ficou pensando isso: quero ver esse idiota explicar o que acontecia no último capítulo.
Oh, homens de pouca fé.... Tem gente que acha que mundo começou ontem, em 1999.
No último capítulo tinha cenas da próxima novela, tá bom! E também era muito legal, a gente via os novos personagens, ficava sabendo das novas tramas, tinha sempre o vilão que dava o tom numa cena chave... Isso também continua igualzinho, novela tem que ter vilão. Vilão com V maiúsculo.
Mas, por que será que acabaram com as cenas do próximo capítulo?
Uma coisa mudou, a novela sempre acaba, quando a gente não aguenta ver mais....

26 de nov. de 2005

A que ponto...


Ahh!

A mocinha fala toda empolga:
- A-r-t-i-s-t-a!
- É mesmo?
- Sou back vocal.
- O que é isso ?
- Artista, sua burra. Cantora.
- Cantora?
- Ã hã!
- Canta um pouquinho, então.
- Precisa ter um clima, você sabe como é?
- Canta vai....
- Não vai dar, mas vou te contar um segredo.
- O que?
- Sabe o "Ahh" do Kolynos?
- Do comercial?
- É. Fui eu quem fiz: Ahh! Viu?
- Cantora... Ah, tá.

25 de nov. de 2005

A Televisão Me Deixou Burro Demais

BOLINHA
Olha, a minha paciência realmente tem limites. Putz grila! Tava conversando com uns amigos hoje e quando falei do Clube do Bolinha, ninguém se lembrava. Dá pra acreditar numa injustiça dessas?
Edson Cury, o Bolinha, foi um dos maiores apresentadores da televisão brasileira de todos os tempos. O cara conduziu por mais de 30 anos. Vou repetir bem alto, TRINTA ANOS, um programa de auditório que rivalisou com o programa do Chacrinha - Tudo bem, o Velho Guerreiro era imbátivel -, isso ainda não é para qualquer Faustão ou Gugu.
O sujeito foi, à sua maneira, um revolucionário. A venda de produtos em chamadas do apresentador, isso que todo mundo faz hoje em tudo quanto é programa chifrin, o Bolinha já fazia e na vanguarda, o cara vendia supositório para prisão de ventre ou hemorroidas, sei lá (dentre outras tranqueiras como as Pirulas de Lussen, que sabe Deus para que servem), antes que qualquer um tivesse peito, ou bunda para falar de peido na televisão.
Jurados, tinha no Bolinha!
Mulheres de Maiô, tinha no Bolinha! Tinha uma bolete que não sorria. Dá para acreditar. Uma dançarina de programa de auditório que não sorri. E pior, o charme da moça era esse. O Bolinha chamava a criatura para frente, em destaque, e ela dava uns passos de dança, ou seja lá o que fosse, com a cara mais fechada do mundo. A mulher chupava limão com sal. Sucesso garantido.
Calouros, os melhores do Brasil, tinha no Bolinha!
E quando ele parava tudo e se dirigia para câmera. Perguntava, com a maior cara de pau: Você tem prisão de ventre? Tome IMESCARD. Enquanto uma das moças segurava a caixa de supositórios, à altura do rosto, em um sorriso, em close. O produto vendia. Duvido que bolete o usasse com aquele sorriso.
Todo sábado à tarde tinha:
"Bolinha, Bolinha! Está na hora de você entrar na linha.
Cantando bem, você ganha os parabéns,
Cantando mal, vá cantar no seu quintal.
Bol, bol, bol, Bolinha! Está na hora de você entrar na linha...."
Essa é a letra da música de abertura do programa. Uma perola de mal gosto poético.
Para não esquecer, Bolinha começou na Televisão como comentarista de "lutas" de telecatch. Em 1967, na TV Excelsior, passou a comandar um programa de auditório substituindo o Velho Guerreiro, que deixara a emissora. O programa mudou de canal, foi para a Bandeirantes e lá ficou até 1992. Depois, houve incursões esporádicas até a morte do apresentador, em 1º de julho de 1998.
O mais lastimável é que a TV não rendeu a Bolinha as devidas homenagens. Como muitos outros homens e mulheres que ajudaram a construir a industria da televisão no Brasil, Bolinha também foi facilmente esquecido. Sua morte pouco repercutiu e hoje, pode-se contar nos dedos quem, com menos de 25 anos, sabe quem foi Edson Cury.

23 de nov. de 2005

A Televisão Me Deixou Burro Demais (Mulheres 1)

Catherine Bach?
Falando assim você não lembra, não é mesmo?
E seu eu disser que ela estava sempre de shortinho jeans, que adorava o General Lee, que era o sonho do Sheriff e dos demais homens da lei, que era sobrinha de um fabricante de bebidas ilegais, que trabalhou de garçonete e até cantava... Ainda não lebrou?
Pois é, tem gente que acha que as gostosonas surgiram com a Beyonce, Britney Spear ou a Mariah Carey. Para essas pessoas não dá realmente para lembrar da linda Catherine Bach dirigindo um Dodge Charger vermelho, com a bandeira confederada pintada no teto.
A moça era tudo de bom. Entrava e saia do carro pela janela (o carro tinha as portas soldadas) com seus shortinhos de matar qualquer um.
A gente chegava da aula e já ia para frente da tv, para a Sessão Aventura, ver Os Gatões (Duke's Hazzard). Pena que ela não aparecia em todos os epsódios.
Era a Dayse. Acho que ninguém nunca se preocupou em saber que o nome da atriz era Catherine Bach. Dayse Duke estava muito bom.

22 de nov. de 2005

A que ponto....

Se você ainda se sente menor diante dos arrogantes argentinos, se é um cara que não gosta de futebol ou de mulher e por isso desconhece a nossa superioridade.
Bom, se você é um apreciador de cerveja, ainda tem salvação. Olha o que os argentinos acham que desce redondo....

Polis (Imagens e Palavras)

Para quem precisa de provas da eficiência do regime cubano. A foto abaixo comprova, sem sombra de dúvida que a vida em Cuba é muito boa e abundante.

Para quem não conhece ou não gosta, esta é Vida Guerra, a mais importante modelo cubana nos EUA e a prova de que o regime de Fidel é muito abundante.

A que ponto....


Tá legal. Você não gosta de balas. Não gosta nem de doces.... Detesta a prossição de vendedores no semáforo.... Mas, da bala chita você não escapa.
Bala Chita é um clássico.
Os bonitões da bala chita que o digam. O negócio atravessou gerações, nunca mudou a embalagem, nunca teve o sabor alterado, sempre o mesmo, sempre o tradicional.
Jamais se tornará um produto sofisticado, um daqueles cuja marca vira sinônimo de qualidade ou referência da substância, como o leite moça ou o bombril. A bala chita não, a bala chita é humilde, não está nas melhores casas do ramo. Chupar bala chita é vulgar, tem gente que faz escondido, que nega, que diz que nunca chupou, que nem gosta de doce. Tudo mentira, todo mundo já teve um pedaço da bala da maquinha grudado nos dentes, por que ela gruda.
Bala chita é a macaquinha rainha do semáforo com todas as honras e xingamentos também, porque é foda, quando os caras viram o retrovisor ao jogar uma discreta touceira amarela de bala chita sobre ele. Mas, pior que ter que ajustar o retrovisor é ter que comprar disfaçadamente. Porque gente elegante não chupa bala chita.

2 de nov. de 2005

No Escurinho do Cinema

Se quiser ser sugestivo, leve sua primeira namorada para ver Cobra
Olha o perfil da Criatura:
Nome Completo: Marion Cobretti (Fala sério, isso é nome de homem?)
Pseudônimo: (Com um nome desses, tinha que ter alcunha.) Cobra (No caso, não ajudou muito).
Cargo: Tenente de Polícia (Agora imagina o pessoal na delegacia chamando o cara. - Tenente Cobretti! Ou então, - Você viu Cobra por aí?)
Armas: 357 metralhadora ligeira com mira lazer, uma Colt 45.
Comida preferida: Carne Crua (Incluída a Brigitte Nielsen)
Peculiaridades: Óculos negros espelhados, um fósforo na boca, corta pizzas com um facão... (Um amor de pessoa.)
Perfil psicológico e político: Facista, racista, itolerante. De frases lapidares e um peculiar senso de justiça primitivo. (O próprio homem das carvernas.)
Em 1986, John P. Cosmatos dirigiu Sylvester Stallone e Brigitte Nielsen nessa maravilha cinematográfica que conta como são poucas as chances das forças do crime se perpetuar na presensa do diplomático Tenente Cobretti.
O lindinho assume a custódia da modelo loira, compridona e sueca, Brigitte Nielsen que, sabe Deus porque, está sendo perseguida por uma gangue de motoqueiros.
A história é a de sempre e depois de muita carnificina, sem que se explique porque os bandidos são tão ruins de pontaria e ainda escolhem essa profissão (desde o Rambo era assim).
O mocinho e a mocinha montam na moto e pegam a estrada em direção ao por do sol. Tudo muito original, não é mesmo?
Esse humilde escrevinhador levou a primeira namorada para assistir essa obra prima no Cine Brasil, com direito a fatia de pizza no Center Pizza da Afonso Pena e românticas viagens de ônibus. É claro que, apesar do nome sugestivo da película, não rolou nada, nem beijinho, a não ser no final, na porta da casa da moça, quando ela tomou uma atitude do tipo "cala boca e beija, seu otário".
Mas, tem clima para romance, sem dúvida: O Cobra + Cine Brasil e seus educados freqüentadores + fatia de pizza requentada do Center Pizza + um idiota que acha que entende de cinema + viagem em ônibus vermelho = Romance.
Pergunta se ela quis voltar ao cinema comigo.

27 de out. de 2005

No Escurinho do Cinema

A Nova Mitologia Pop

Uma pequena regressão, por favor.... A imagem começa a ficar desfocada e quando torna-se nítida novamente, nos deparamos com uma página colorida de uma revista em quadrinhos da década de 20 do século passado...
Esse não parece ser um início promissor para um artigo sobre cinema, ainda mais sobre A Nova Mitologia Pop, como diz o título, mas já justifico.
A nova mitologia pop são os bons e velhos super heróis que tomaram de assalto as salas de cinema do mundo inteiro, com maior intensidade desde meados dos anos 80 ou fim dos loucos anos 70. Porém, antes disso a vida pregressa dos homens de capas e ceroulas teve, e ainda tem, uma longa trajetória de papel e tinta.
O marco da carreira cinematográfica dos heróis de quadrinhos é o primeiro Batman de Tim Burton ou o Superman de Richard Donner. Não que não tenha havido incursões anteriores, mas essa, demarcada por esses dois filmes, criou uma nova moda que se auto-sustentou até nossos dias. Esse marco inicial é providencial, já que, nesse momento, temos que tomar o Batman Begins de Christopher Nolan como marco final e a comparação será inevitável.
Os elementos culturais atualizados no moderno super herói são os mesmos dos antigos heróis gregos. O sofrimento voluntário, a renúncia, a entrega e enfim, o amor ao próximo. O herói é, desde a antiguidade clássica, definido como alguém que gasta sua vida em feitos em prol de outros menos capazes ou injustiçados ou, em missões que lhe são impostas por forças além do seu controle. Também como os antigos, os heróis modernos são humanos: erram, mentem, enganam a si e aos outros e, talvez esse conteúdo faústico seja o mais saliente desta mitologia para os modernos expectadores e leitores.
Podemos dizer que as histórias em quadrinhos são o lar dos heróis modernos, não só deles, por que há um sem número de gêneros de quadrinhos que vão além do universo dos super heróis. Mas, o super herói moderno é dos quadrinhos por excelência e algumas peculiaridades dessa forma narrativa, com o tempo, tornaram-se indissociáveis do herói e ele delas.
O primeiro herói dos quadrinhos, nos moldes que conhecemos, foi o Tarzan de Edgar Rice Burroughs que foi convertido ao formato quadrinhos, já que é um original romance literário. O primeiro romance do personagem de Burroughs, Tarzan dos Macacos (Tarzan of the Apes), foi publicado em 1914 e contava a fascinante história de John Clayton III, o Lord Greystoke que, em decorrência de um naufrágio, quando ainda era recém-nascido, fica órfão na costa africana, sendo em seguida criado por uma família de gorilas. Os problemas de Tarzan - nome gorila recebido por Greystoke e que significa Pele Branca - iniciam-se quando ele tem contato com europeus, até então ele acreditava ser um gorila, talvez um pouco diferente dos outros, quem sabe só com alguns probleminhas de pele.
A obra de Burroughs tem sido alvo de todo o tipo de interpretação ao longo dos anos, havendo aqueles, mais fanáticos, que chegam a procurar e atribuir uma conotação política a Tarzan, dizendo que trata-se de uma metáfora para o poder colonial europeu na África. Particularmente, defendo que os conteúdos ideológicos-políticos são pouco desenvolvidos e quase irrelevantes para o autor, que não se empenha intencionalmente em expressa-los. Pode-se dizer, desse ponto vista, que Burroughs esboça uma crítica à civilização industrial, mas isso também é uma referência indireta que só é exposta frontalmente em desenvolvimentos futuros da obra, quando Tarzan acaba indo à Europa e não se adapta à vida "civilizada". A mais proveitosa leitura de Tarzan tem como elementos principais a aventura e o heroísmo.
Essa fabulosa saga não tardaria a ganhar, em 1929, uma perspectiva visual através dos quadrinhos inaugurando a era dos heróis nesse meio, inicialmente em tiras de jornais diários, as famosas comics - nome que decorre do fato de explorarem principalmente o elemento humorístico, apesar de não ser esse o caso de Tarzan - e depois em revistas próprias desvinculadas das publicações noticiosas.
Entretanto, apesar de ter habilidades notáveis oriundas de sua "educação símea" e de ser um herói com todos os elementos aludidos, Tarzan não é um super homem. Falta ao rei das selvas os poderes extraordinários ou super que nos anos vindouros tornar-se-iam o distintivo de um gênero de quadrinhos.
Apesar disso ou exatamente por isso, Tarzan ganhou uma série de adaptações para o cinema que até antecederam sua adaptação para os quadrinhos. Já em 1917, Elmo Lincoln interpretava na telona o Homem Macaco. Recentemente, são dignas de nota a adaptação de Hugh Hudson, Greystoke - A Lenda de Tarzan, O Rei da Selva, de 1984, com Christopher Lambert no papel título e, a ótima animação dos Estúdios Disney, Tarzan, de 1999, dirigida por Chris Buck e Kevin Lima.
Os super poderes são introduzidos como característica marcante do herói apartir de modelos como o Super Homem que estreia em junho de 1938, na revista Action Comics #1, criado por Jerome (Jerry) Siegel e Joseph (Joe) Shuster para a editora Detective Comics, a DC. O herói é um alienígena cujos os poderes decorrem da interação de seu singular organismo com o meio-ambiente terrestre, ou seja, a energia do sol amarelo da terra é acumulada no corpo do sujeito que funciona como uma bateria solar e abastece suas fantásticas capacidades. Os poderes do Super Homem são realmente extraordinários e incluem invulnerabilidade, força física colossal, vôo e diversos tipos de habilidades visuais como visão de calor e raios-x. Tais poderes representaram em inúmeras ocasiões enormes dificuldades para o realismo das histórias, mesmo nos quadrinhos. Sempre foi muito difícil lidar, por exemplo, com uma criança que tinha super força ou com o fato de ter que encontrar vilões à altura para confrotar o herói.
Também há quem faça interpretações políticas para a mitologia do Super Homem dizendo que o herói é sionista, uma vez que seus criadores eram judeus, nos primeiros anos os inimigos mais comuns do herói eram os nazistas, os nomes Kryptonianos, como Kal-El e Jor-El, soam como nomes hebraicos, a trajetória e personalidade do herói é inegavelmente messiânica, etc.
Super Homem e seus congêneres da DC reinaram supremos até a década de 60, quando uma nova geração de criadores como Stan Lee, Jack Kirby e Stive Ditko criam um novo panteão de heróis para a Marvel Comics. O Quarteto Fantástico, Homem Aranha, Incrível Hulk, X-men e outros heróis marvel tinha aventuras nas quais suas habilidades e atos extraordinários eram compensados por aspectos humanos de suas personalidades e vidas cotidianas e até tomados como maldições, uma clara alusão faústica do arquétipo do herói.
O sucesso dos heróis marvel que facilmente se identificavam com seus leitores, jovens e adolescentes que acabavam vendo nas "vidas privadas" dos heróis paralelos com suas próprias vidas, levou a DC ao contra-ataque.
A tradicional Detective Comics tratou de humanizar seus personagens e até mesmo simplificou seu panteão que havia desenvolvido todo o tipo de confusão cronológica e lógica que você puder imaginar como decorrência de mais de trinta anos de histórias e da aquisição de personagens de editoras menores que foram incorporadas o que dificultava o ingresso de novos leitores, que acabavam indo para o fascinante novo mundo da Marvel. Assim, em meados dos anos 80, a DC lançou a Crise nas Infinitas Terras, de Marv Wolfman e George Perez e, esse evento que tratou de viabilizar um competidor dígno para a Casa das Idéias.
A permantente dicotomia entre o heroísmo com e sem super poderes talvez tenha sido uma das características norteadoras das escolhas dos produtores cinematográficos, uma vez que os filmes com super heróis só passaram a ser mais abundantes a partir da década de 70. Tal escolha é facilmente justificável quando se colocam as dificuldades técnicas para executar de modo realista o vôo do Super Homem, por exemplo. Há outras dificuldades, digamos de cunho estético, que também contribuiram para isso. Os heróis das histórias em quadrinhos sempre pareceram muito infantis com seus uniformes espalhafatosos, vilões megalomaníacos, identidades e esconderijos secretos e tudo o mais. Houve muita resistência por parte do público adulto em aceitar aventuras quase irreais dos super heróis no cinema.
Há algumas explicações para a recente aceitação que o público adulto vem dedicando aos super heróis no cinema.
Inicialmente, adaptações como o Batman (seriado de tv e filmes da década de 60) estrelado por Adam West, juntaram os compontes irreais dos quadrinhos, como os vilões malucos e a psicodelia própria da época, em uma autocomisseração do herói que substutiu a aventura pelo humor e a autocrítica jocosa. Essa iniciativa suavisou, por assim dizer, algumas das características menos palatáveis do universo HQ, que passaram a ser motivo de riso dos telespectadores. Uma seqüência de adaptações para a tv e também animações inundou o mundo infatil nos anos 70 e 80 e criou uma geração bastante disposta a aceitar as incoerências e incongruências dos super heróis. A esse movimento da audiência, juntou-se o movimento da autoria que nos anos 80 contou com nomes como Alan "Watchmen" Moore e Frank "Dark Knight" Miller, autores que remodelaram o universo dos super heróis, dando uma roupagem adulta ao tema e novamente, como fizeram duas décadas antes os criadores da Marvel, desviando o foco das extraordinárias habilidades desses seres, para concentra-lo no seu lado humano e nos dramas psicológicos da vida cotidiana dos homens que se fantaziam para combater os criminosos. De uma vez, o trabalho desses autores concorreu para dar aos quadrinhos o status de narrativa literária séria e a geração que passara a infância vivenciando as estórias nas revistas começou a querer ver seus ídolos em carne e osso no cinema.
Desde então as produções vêem se sucedendo e o público, cada vez mais adulto e mais sofisticado, alterou o parámetro da crítica.
Uma geração que cresceu lendo as histórias em quadrinhos preocupa-se com o quão fiel é a adaptação cinematográfica ao universo original do personagem e, aí as diferenças entre os dois meios tornam-se evidentes.
Heróis sem ou com poucos super poderes têm se dado melhor com adaptações mais realistas e próximas ao meio quadrinístico, outros contam com a notável evolução dos meios e das técnicas de geração e manipulação digital de imagens para representar suas habilidades de modo realista.
A recente seqüência dos X-men e do Homem Aranha, respetivamente dirigidas por Bryan Singer e Sam Raimi são exemplares no que diz respeito à fidelidade aos conceitos desenvolvidos nos quadrinhos. O já classico Batman passou por várias adaptações, o já citado Batman de Tim Burton, o Batman - O Retorno também de Burton, o Batman - Eternamente de Joel "argh!" Schumacher, cujo visual lembrou a série de tv da década de 60 e o resultado junto ao público também, e o recente Batman Begins de Christopher Nolan, uma clara tentativa de aproximar a identidade do herói nos quadrinhos com sua representação cinematográfica.
Uma vez que a discrepância entre quadrinhos e cinema parece ser o segredo do sucesso ou a chave do fracaço para os recentes filmes de super heróis, cabe algumas observações tomando como exemplos os filmes do Cavaleiro das Trevas.
Em 1989, quando Tim Burton lançou o seu primeiro Batman, o impacto de Batman: O Cavaleiro das Trevas (Batman: The Dark Knight Returns) de Frank Miller, de 1987, ainda fazia sombra à qualquer adaptação do morcegão e a obra do Tim "esquisitão" Burton foi saldada como dígna do impacto punk causado por Miller na vida de Bruce Wayne. Hoje, dezoito anos depois, é certo que essa impressão de afinidade diluiu-se e é possível afirmar que se deveu a uma afinidade estética entre Burton e Miller e não a uma tentativa da primeiro de incorporar na trajetória cinematográfica do herói os traços desenvolvidos por Miller nos quadrinhos.
A maior prova disso é que o Batman Begins de Christopher Nolan também foi saldado como uma fiel adaptação daquelas características imprimidas ao Cavaleiro das Trevas nas histórias em quadrinhos de Miller, (inclui-se nesses admiradores do trabalho de Nolan, o próprio Miller, que deu declarações de aprovação ao filme) mas quem vê o filme mais atentamente e, após a experiência de Burton, pode dizer, com certeza, que no cinema ainda não chegou a vez do Wayne carrancudo, anarquista e solitário.
A começar pelo uniforme que os diretores insistem em modificar em relação a concepção quadrinística, o filme de Nolan, que é um bom filme, comete alguns pecados que são imperdoáveis para os verdadeiros fãs de quadrinhos, o vilão, Rãs al Grull, diverge muito de seu par - criado por Dennis O'Neal - dos quadrinhos, no sentido de ser mais megalomaníaco no cinema e não ter o apelo redentor que tem nos quadrinhos, onde se apresenta como uma espécie de reformador social. O mascarado também está mais suave e até dá presentes para um pequeno fã, enquanto escala uma parede, num comportamento típico da jocosa série de tv, na qual o morcego fazia gracinhas com os moradores que davam as caras na janela - alguns famosos decadentes em busca de "ibope"- para cumprimentar o herói.
Há também o par romântico - a sem graça Katie Holmes - imposto à trama para agradar platéias femininas ou para dissipar suspeitas homosexuais que ainda pairam sobre as pontudas orelhas do vigador de Gothan. Ainda estamos por descobrir por que os produtores consideram as fãs tão ingênuas e melosas ou por que se esforçam por desmentir algo óbvio - não é o que você está pensando. Um cara como Bruce Wayne, com a personalidade em frangalhos, não pode viver romances adocicados, ele está mais próximo de tórridas e doentias paixões com, por exemplo, a Mulher Gato e, isso sim atrairia fãs e seria mais coerente do que um romance intantil com a filha da empregada.
Assim seguem as adaptações cinematográficas. Nesse momento, o diretor Bryan Singer dedica-se à finalização do novo filme do Homem de Aço e as promessas de fidelidade aos quadrinhos se repetem. Bryan já nos presenteou com os excelentes X-men e X-men II que são fieis, dentro do respeito às regras de transposição de uma forma narrativa à outra, à melhor fase dos filhos do átomo, quando Chris Claremont e John Byrne levaram as vendas à estratósfera e os fãs, ainda hoje, sentem saudades. Resta-nos esperar para ver o quão digna será a nova aventura de Superman.